Revista LiteraLivre 15ª edição | Page 207

LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019 estrelado entre eles. Beijou as mangas da camisa que ele mais gostava, era do tom bordô com um padrão de pontos brancos, usava-a quando a conheceu na feira da lã de Tenjin-San no templo de Kitano Tenmangu, relembrou o primeiro olhar, ele fotografava-a desprevenida a saborear um dango caramelizado. O azul- céu sorridente fê-la tropeçar sobre uma pequena banca de venda de acessórios como luvas, pantufas e gorros, uma vez que estava frio haviam clientes interessados que foram interrompidos pela queda. Rapidamente prestaram auxílio, mas fora aquele ocidental de olhos claros que mais se preocupou pela sua condição. Com um ar tímido e um inglês forçado tentou afastá-lo, mas ele sabia que o destino o levara àquele momento por um desígnio e por isso e precisava manter a atenção dela. Mostrou-lhe a fotografia que lhe tirou enquanto comia o doce tradicional. Corada pediu que apagasse, mas foi submersa pela pergunta ousada do jovem alto, com o cabelo da cor do trigo “Porque estás tão triste e sozinha neste lugar?”. Ali iniciou-se uma história de amor que lhe salvou a vida. Fechou o armário, já segurava no braço o que precisava. Ao som da música parecia dançar até à casa de banho, entretanto soltou os longos cabelos negros como o carvão e suaves como o cetim. Lavou todo o corpo com água fria e imaginou-se numa cascata ruidosa com rochas por toda a parte, uma sensação de alívio fê-la mordiscar o lábio, as mãos procuravam desfazer a espuma da sua pele e os cabelos pesavam escorridos pelas suas costas. Não tardou a sentir os dedos engelhados e a dar por terminado aquele momento de tranquilidade. Depois de se secar, vestiu as cuecas rendadas em tom lilás e usou um vestido de alças branco de linho fino, suave e em corte de trapézio. Cantarolou a sinfonia que ouvia, o terceiro movimento da tempestade de Ludwig Van Beethoven e preparou o seu almoço, uma omeleta feita com os deliciosos ovos da dona Laurinda com queijo de búfala e uma salada de rúcula e figos, devorou por completo e saciada procurou uma caixa de madeira na sala, e carregou-a até ao seu quintal cujo acesso era pela porta da cozinha e dirigiu-se para o único lugar com sombra. Era ali que passava maior parte dos seus dias. Ao seu redor via cores tão instigantes, das folhas verde-escuras lanceoladas com um pouco de avermelhado como se 204