LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019
estrelado entre eles. Beijou as mangas da camisa que ele mais gostava, era do
tom bordô com um padrão de pontos brancos, usava-a quando a conheceu na
feira da lã de Tenjin-San no templo de Kitano Tenmangu, relembrou o primeiro
olhar, ele fotografava-a desprevenida a saborear um dango caramelizado. O azul-
céu sorridente fê-la tropeçar sobre uma pequena banca de venda de acessórios
como luvas, pantufas e gorros, uma vez que estava frio haviam clientes
interessados que foram interrompidos pela queda. Rapidamente prestaram
auxílio, mas fora aquele ocidental de olhos claros que mais se preocupou pela sua
condição. Com um ar tímido e um inglês forçado tentou afastá-lo, mas ele sabia
que o destino o levara àquele momento por um desígnio e por isso e precisava
manter a atenção dela. Mostrou-lhe a fotografia que lhe tirou enquanto comia o
doce tradicional. Corada pediu que apagasse, mas foi submersa pela pergunta
ousada do jovem alto, com o cabelo da cor do trigo “Porque estás tão triste e
sozinha neste lugar?”.
Ali iniciou-se uma história de amor que lhe salvou a vida. Fechou o armário,
já segurava no braço o que precisava. Ao som da música parecia dançar até à
casa de banho, entretanto soltou os longos cabelos negros como o carvão e
suaves como o cetim. Lavou todo o corpo com água fria e imaginou-se numa
cascata ruidosa com rochas por toda a parte, uma sensação de alívio fê-la
mordiscar o lábio, as mãos procuravam desfazer a espuma da sua pele e os
cabelos pesavam escorridos pelas suas costas. Não tardou a sentir os dedos
engelhados e a dar por terminado aquele momento de tranquilidade. Depois de
se secar, vestiu as cuecas rendadas em tom lilás e usou um vestido de alças
branco de linho fino, suave e em corte de trapézio. Cantarolou a sinfonia que
ouvia, o terceiro movimento da tempestade de Ludwig Van Beethoven e preparou
o seu almoço, uma omeleta feita com os deliciosos ovos da dona Laurinda com
queijo de búfala e uma salada de rúcula e figos, devorou por completo e saciada
procurou uma caixa de madeira na sala, e carregou-a até ao seu quintal cujo
acesso era pela porta da cozinha e dirigiu-se para o único lugar com sombra. Era
ali que passava maior parte dos seus dias. Ao seu redor via cores tão instigantes,
das folhas verde-escuras lanceoladas com um pouco de avermelhado como se
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