LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019
repensou, em tudo que era pensável e imaginável, sem chegar a qualquer
conclusão digna, até que a noite veio, trazendo-lhe o paliativo da sonolência
irresistível.
O sono foi entrecortado de despertares atônitos e confusos, mas uma ideia
ao menos pareceu ganhar crescente força em sua mente. Iria ver a mulher! Sim,
senhor! Nada o impediria de estar com sua companheira de toda a vida.
Reconfortado com essa decisão, iniciou uma série de comandos ao seu fragilizado
corpo. Como se fosse casulo, dele surgiu uma borboleta monarca, linda e
possante como as que recordava haver visto na juventude.
O inseto imediatamente alçou vôo rumo ao destino. Consciente da enorme
distância a vencer, bastante superior à que normalmente cobrem as da sua
espécie na migração periódica, muniu-se do profundo senso do dever que deveria
cumprir. Com poderosos movimentos das asas, começou a vencer,
progressivamente, os milhares de quilômetros da rota. Curioso como a borboleta
enfrentou o caminho até então desconhecido com tamanha precisão! Não hesitou
quanto ao trajeto, percorreu-o com uma segurança que só ela, colibris, abelhas e
talvez outros seres sintonizados com as flores podem demonstrar.
A esposa era a flor do marido, isso certamente explica o sentido de direção
da viajante. Dava gosto ver como ela atravessou rios, florestas, montanhas e
cidades sem qualquer sinal de dúvida. Surpreende não se haver detido para
repor suas energias com os néctares das muitas flores do caminho. Partira com
suficiente vigor para apenas vir a reabastecer-se no destino final. Importava-lhe
avançar, avançar, unicamente avançar até chegar.
Foram muitos os perigos, contudo. A exuberante monarca teve de esquivar-
se de muitas aves, répteis e batráquios, ávidos por devorar petisco tão belo e
tentador. Superou todos esses obstáculos com determinação.
Ingressou no centro hospitalar, localizou o quarto da paciente e pousou
suavemente em seu corpo agonizante. Nem o filho, nem os médicos, ninguém
percebeu a borboleta que ali permaneceu até esmaecer e sumir com o último
suspiro da mulher.
O marido, de longe, tudo vivenciara, porém. Finalmente, pôde descansar em
paz.
A monarca cumprira sua missão.
Coluna do autor, Divulgaescritor, fevereiro 2019
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