Revista LiteraLivre 15ª edição | Page 156

LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019 O morador de rua e a lição de gentileza Verônica Lazzeroni Del Cet Holambra/SP Tudo o que o homem tinha era a roupa do corpo. Fazia um intenso frio, então ele colocava seu agasalho desbotado, sapatos pretos com furos na sola, seu cachecol cor creme desbotado e sua touca que um dia já havia sido vermelha. A barba estava por fazer. O cabelo precisava de corte e as unhas deveriam ter sido cortadas faz tempo. A barba no rosto crescia desordenadamente e a calça ficava folgada toda vez que ele dava um passo para avançar mais no caminho. Era um morador de rua. Não tinha lar, emprego fixo e nem família. As únicas lembranças que tinha era de uma distante infância repleta de amor e cuidado de sua mãe e pai. Não tinha muitos sonhos e vivia cada dia como se fosse apenas mais um punhado de horas que avançam em qualquer e todo relógio caro do pulso dos negociantes e empresários, ou dos relógios de restaurantes onde nunca conseguia entrar. Tudo bem que precisava de um banho, aparar o cabelo e fazer a barba, sem falar que ele precisava se livrar daquelas roupas velhas, mas se ele fizesse isso será que seria permitida a sua entrada no restaurante? Será que o empresário que fala sem parar no celular olharia para ele e visse, afinal, que era um homem semelhante a ele? Talvez sim, ou talvez não. A preocupação daquele homem, do morador de rua, não era passar a impressão de que poderia ser gente fina e educada, fingindo ter perspectivas e um futuro brilhante. Ele não precisaria fazer a barba e cortar o cabelo, se desfazer de suas únicas roupas e pensar em não comprar uma calça folgada para ser considerado como gente. Ele já era gente. Sempre foi e sempre seria. Preso em tantos descontentamentos – como a fome, frio e saudade em ter um lar – ele conseguia juntar trocados quando ficava parado durante um tempo nas esquinas em frente aos grandes centros empresariais. Prédios tão imensos que sempre seriam maiores do que todos os sonhos daquele homem. Escritórios com pessoas ricas, medianas e outras que apenas serviam. Eram prédios com gente que tinha lar, roupas e banho todos os dias. Conseguiu juntar, certa tarde, quase que uma boa quantia para comprar dois pedaços de pão. Foi até uma padaria, pediu ajuda para alguém comprar por ele e disse que esperaria do lado de fora. Compraram seu pão, disseram que tinha troco e ele agradeceu a gentileza. Voltou para a esquina e se sentou em um banco de concreto tão sem graça como a cor de sua touca. Começou a comer sem pressa o primeiro pão. Mastigava com 153