LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019
O morador de rua e a lição de gentileza
Verônica Lazzeroni Del Cet
Holambra/SP
Tudo o que o homem tinha era a roupa do corpo. Fazia um intenso frio,
então ele colocava seu agasalho desbotado, sapatos pretos com furos na sola,
seu cachecol cor creme desbotado e sua touca que um dia já havia sido
vermelha. A barba estava por fazer. O cabelo precisava de corte e as unhas
deveriam ter sido cortadas faz tempo.
A barba no rosto crescia desordenadamente e a calça ficava folgada toda
vez que ele dava um passo para avançar mais no caminho. Era um morador de
rua. Não tinha lar, emprego fixo e nem família. As únicas lembranças que tinha
era de uma distante infância repleta de amor e cuidado de sua mãe e pai.
Não tinha muitos sonhos e vivia cada dia como se fosse apenas mais um
punhado de horas que avançam em qualquer e todo relógio caro do pulso dos
negociantes e empresários, ou dos relógios de restaurantes onde nunca
conseguia entrar.
Tudo bem que precisava de um banho, aparar o cabelo e fazer a barba,
sem falar que ele precisava se livrar daquelas roupas velhas, mas se ele fizesse
isso será que seria permitida a sua entrada no restaurante? Será que o
empresário que fala sem parar no celular olharia para ele e visse, afinal, que era
um homem semelhante a ele? Talvez sim, ou talvez não.
A preocupação daquele homem, do morador de rua, não era passar a
impressão de que poderia ser gente fina e educada, fingindo ter perspectivas e
um futuro brilhante. Ele não precisaria fazer a barba e cortar o cabelo, se
desfazer de suas únicas roupas e pensar em não comprar uma calça folgada para
ser considerado como gente. Ele já era gente. Sempre foi e sempre seria.
Preso em tantos descontentamentos – como a fome, frio e saudade em ter
um lar – ele conseguia juntar trocados quando ficava parado durante um tempo
nas esquinas em frente aos grandes centros empresariais. Prédios tão imensos
que sempre seriam maiores do que todos os sonhos daquele homem. Escritórios
com pessoas ricas, medianas e outras que apenas serviam. Eram prédios com
gente que tinha lar, roupas e banho todos os dias. Conseguiu juntar, certa tarde,
quase que uma boa quantia para comprar dois pedaços de pão. Foi até uma
padaria, pediu ajuda para alguém comprar por ele e disse que esperaria do lado
de fora.
Compraram seu pão, disseram que tinha troco e ele agradeceu a gentileza.
Voltou para a esquina e se sentou em um banco de concreto tão sem graça como
a cor de sua touca. Começou a comer sem pressa o primeiro pão. Mastigava com
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