LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019
O Dia Em Qe Acordei Morto
Paulo Luís Ferreira
São Bernardo do Campo/SP
Riam! Podem rir à vontade! Pois eu também ri muito na manhã daquele dia.
Quero dizer pensei em rir, mas não pude, pois não conseguia nem me mexer.
Achava-me atado. Sentia-me como se estivesse embalsamado. Envolto em
flores, cravos, incenso e velas. Este cenário eu vi, quando após muito esforço
abri uma frestinha de uma das pálpebras para encarar a cruel realidade. Paralisei
por completo. Sem antes não me apavorar com a situação. Inacreditável! Vivo e
acordado, porém morto. Você deve estar se perguntando: como veio isso
acontecer, acordar morto!?... Mas foi isso o que aconteceu. Acordei mortinho da
silva.
Por muito tempo relutei em contar este sucedido. Pois como é sabido
defunto não tem memória e muito menos escreve. Com exceção de alguns
espectros miraculosos a serviço de charlatães. — que não é o meu caso. — No
entanto, estou eu aqui narrando esta atípica história que, por mais inverossímil
que pareça, acredite! É verdadeira. Pois, como bem disse Machado de Assis, eu
também esclareço: a franqueza é a primeira virtude de um defunto. E os fatos
estão descritos conforme o acontecido e sentido no dia em que acordei morto.
E como bem dedicou o mestre em suas memórias póstumas, eu também
dedico este relato àquele que primeiro empunhar a alça do meu caixão; o que
provavelmente já deverá estar com a fértil imaginação a deslumbrar os vermes a
passear sobre e por entre meu cadáver. Contudo, deixarei uma luz às evidências;
avisando que usei do mesmo recurso do qual recorreu o Machado, para expor no
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