LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019
Eu sei que não foi culpa sua. Acontece que a vida arrasta a todos, e eu já
tinha certa idade quando nos conhecemos. O tempo chega para todos, e chegou
para mim. Logo, em meio ao caos em que estava sua vida, você passou a ter que
lidar com um idoso que não segurava a urina, e que não enxergava grandes
coisas, por isso vivia batendo nos objetos dentro de casa e quebrando coisas de
vidro.
Minha presença passou a envergonhá-la na frente dos seus amigos. Nunca
mais você leu para mim, e raramente se lembrava na hora certa do meu jantar.
Não ia mais ao meu quarto verificar se eu estava bem coberto. Passei a ser um
fardo, e peço desculpas por isso… Eu bem queria conseguir agir diferente e ter a
mesma vitalidade de alguns anos antes, mas é tão difícil! Meus ossos
simplesmente não me obedecem mais… É como se a chama, que queimava feito
uma fogueira dentro de mim, tivesse diminuído, até se tornar a ponteira acesa de
uma vela que é hoje. Não mais que isso.
Confesso que a mágoa é enorme, e eu não posso evitar, mas sei que é
culpa minha, por não ter conseguido ser aquilo que você precisava que eu fosse,
forte e viril, mas eu pensei que nossa história, e que os laços de família que
tínhamos, seriam o bastante para nos manter unidos para sempre. Eu só não
sabia que era possível descartar alguém da família. É que, pra mim, seria como
arrancar um membro.
Mas, mesmo assim, você me deixou. Num momento em que eu estava tão
frágil… Bom, sendo justo, não me deixou, apenas gritou comigo e me expulsou
de casa. Bateu com o portão na minha cara e mandou que eu procurasse meu
rumo, me disse pra nunca mais voltar. Não se preocupou em me entregar um
cobertor, nem teve receio de que eu não conseguisse encontrar comida, já que
eu não tinha nenhum dinheiro. Simplesmente fechou seu coração naquele dia, e
não quis mais saber de mim.
Eu passei dias rondando a casa, tentando voltar, mas você trancou todos
os meios que eu tinha de conseguir entrar de volta. E eu me resignei, e fugi o
mais rápido que pude aos prantos. Eu só queria morrer.
É que a dor de viver sem você é tão grande, que só perde para a dor de
saber que eu lhe causei tanto desgosto. Ah, se eu pudesse evitar que o
envelhecimento me atingisse!
O vento ficou mais forte. Vai começar a chover daqui a pouco, e eu
preciso procurar um abrigo melhor que a porta traseira da padaria. Mas não vou
muito longe, porque a padaria fica só a três quarteirões de sua casa… nossa
antiga casa… e você precisa passar por aqui sempre que compra pães. Sei que
você está evitando comprar pães agora só pra não ter que cruzar com meu olhar
pedinte escondido no beco atrás da padaria, olhando para você, porque, quando
isso acontece, e já aconteceu uma vez, você precisa se controlar e fingir que não
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