Revista LiteraLivre 15ª edição | Page 117

LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019 ele havia sumido numa declividade. Deparou-se com jacarés camuflados à beira rio e uma família de caranguejos reinava absoluta num manguezal. Ao dobrar à esquerda após um exaustivo esforço com uma mão só, porque a outra havia sido ferida ao tratar as guelras do peixe, ficou extasiado com a surpreendente imagem das águas fluviais abrindo-se num imenso delta. O homem do rio procurou por qual braço de água seguira o velho pescador, que tanto lembrara o pai em solitude, igualmente pescador. O pai que um dia saíra antes do sol nascer, para buscar o sustento da família naquele mesmo rio e nunca mais voltou. Seu corpo nunca foi encontrado. Agora, ele tinha a mesma sensação de perda: jamais voltaria a ver aquele que, por alguns momentos, materializou-se em seu imaginário, como sendo o próprio pai. Os espíritos riam- se dele, menos o índio que mantinha a solenidade de um cacique. Sentiu sua canoa atraída pelo redemoinho das águas do delta, tentou resistir remando vigorosamente contra a correnteza, mas a torrente fluvial levou-o às profundezas abissais e, entre as paredes d’água, perdeu os sentidos. Ao acordar, estava secando à superfície chã, no mesmo lugar onde encontrara a canoa, olhou para o nascente no exato momento em que o índio arrastava os pés num cerimonioso vagar e sumia à esquerda. Ele nunca soube quem o salvou. https://www.facebook.com/iris.cavalcante.75 114