Revista LiteraLivre 15ª edição | Page 183

LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019 Edward Clement deixou a sala e bateu a porta talvez um pouco forte demais. - Nem um "obrigado" - Disse resmungando pra si. - Eu ouvi isso, garoto - Gritou o senhor Alec de dentro. - Sou cego, não surdo. Eddie sacudiu a cabeça e pegou sua bicicleta. Logo saiu a pedalar pela cidade, cruzando com vários rostos de desconhecidos e encarando alguns. Pensava em todas as histórias que aquelas pessoas carregavam, e em como escritores rabugentos como o senhor Alec podiam criar tantas coisas a partir da realidade, e ainda soar tudo tão verossímil. Seguiu tentando não pensar muito sobre isso, iria se encontrar com Ully no apartamento e queria ter uma noite sossegada ao lado da namorada. Sentiu então um brilho a bater no canto do olho. Achou que talvez fosse apenas a luz do poste, mas quando virou a cabeça viu se tratar de um carro. Estava quase o alcançando e ele teve de se jogar da bicicleta para não ser atingido. O carro buzinou e seguiu direto, enquanto o seu braço ardia por ter ralado na calçada e a bicicleta felizmente só estava caída. Não fora atingida. Respirando fundo, pegou o meio de locomoção do meio fio e seguiu tremendo um tanto de volta para o apartamento. Quando entrou, logo viu o rosto da namorada apreensiva por ter ouvido a porta abrindo, mas mais calma por ter o visto ali. Logo o recebeu com um beijo. - Como foi? - Perguntou durante o jantar. Não haviam trocado quase nenhuma palavra até então. Eddie deu de ombros, escondendo o arranhão no braço por vergonha. - Foi legal. Vou voltar amanhã, então está dando certo - Disse sem muita animação. Depois que terminaram o jantar e lavaram a louça, Ully disse que iria passar um programa de comédia na TV e que seria legal verem juntos, pra variar. - Tudo bem, ainda não tá tarde - Disse ele com um meio sorriso. - Vou só trocar as pilhas do aparelho. Ela assentiu e sorriu passando a mão pelo rosto dele enquanto sussurrava um “tudo bem”. Eddie pegou no armário pilhas novas e olhou de relance para a sala, certificando-se de que Ully não estava olhando, e só então pegou também um curativo para o braço ralado. Com destreza foi até a sala colocando o aparelho auditivo de volta e sentou- se ao lado de Ully, sem conseguir sorrir muito por mais que as piadas do programa fossem engraçadas. Mas amanhã estaria de volta, insistindo no que agora fazia, e seria mais um dia habitual, apenas com uma nova rotina a se estabilizar. 180