LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019
Natureza
Lívia Stocco
Franca/SP
Está frio. Eu não gosto do frio, me dá tremedeiras pelo corpo todo, faz
meu pescoço doer e meus ossos arderem gelados quando batem uns nos outros.
Eu penso que vou morrer duro feito uma pedra. O céu está ficando escuro, logo
vai chover, e eu vou ficar molhado e mais gelado. Por isso fico aqui, ao lado da
porta da padaria, o máximo de tempo que me for permitido, porque, pela porta
telada, de vez em quando vem uma lufada de calor agradável que aquece minhas
orelhas. E, quando o vento bate forte, a porta se abre com vontade e, se
ninguém estiver olhando, sou capaz de entrar sorrateiro, pegar um pão
quentinho, e desaparecer como se nunca tivesse entrado ali. Mas isso nunca dura
muito: logo o dono da padaria vai aparecer e me botar pra fora, e serei obrigado
a procurar outro abrigo. Talvez hoje eu consiga uma caixa de papelão e um
punhado de jornais.
Hoje estou nostálgico. Talvez seja minha hora chegando… Fico aqui
olhando para o céu escuro, sentindo o calorzinho dos fornos no meu pescoço, e
me lembrando do dia em que te conheci. Eu sei que você não se lembra porque
era muito pequena, uma coisinha minúscula, pra falar a verdade. Mas eu me
lembro.
Ah, como eu amei os seus olhinhos! Clarinhos, como os de uma princesa!
Era o bebê mais lindo que eu já tinha visto, e eu já tinha visto alguns na vida. Eu
te amei imediatamente, e como poderia não amar? Você era a luz da família, e
eu, que já era parte, era o antigo, que tinha que abrir caminho para o novo.
Eu me lembro, criança, de cada momento seu. Lembro das suas fraldas
sujas impregnando a casa, e do seu choro, que me levava à loucura. Desculpe,
mas é verdade, não é fácil aturar os decibéis do pranto de um bebê. Sua mãe
também ia à loucura… Mas, com o tempo, o choro foi ficando mais espaçado, e o
que sobrou foram as birras, que seu pai, com mão de ferro, sempre soube calar.
É, eu também conheci aquelas mãos de ferro…
Será que você se lembra de algo de sua infância? Eu me lembro de tanto!
Dos primeiros passinhos, dos joelhos esfolados, de como eu brincava com você.
Sabe, minha vida era dentro de casa, e minha alegria era fazer você sorrir,
porque quando eu conseguia isso, o dia se iluminava, e tudo parecia bom e certo.
A vida parecia ter sentido.
Você cresceu, minha menina, cresceu e se tornou uma criança alegre e
agitada. Era divertido assistir as suas tentativas de andar de bicicleta sem
130