Revista LiteraLivre 15ª edição | Page 106

LiteraLivre Vl. 3 - nº 15 – Mai./Jun. de 2019 — Você parece estar sofrendo de algum problema de dupla personalidade, tem algum delírio de ser algo que não é como sendo um homem de sucesso talvez. A maca adentrou a ambulância e as portas fecharam-se num estrondo surto ante os olhares de curiosos quando o motor deu partida e seguiu ao manicômio judicial. Algo fora injetado em suas veias e tão logo tudo se amorteceu nos sentidos dando lugar a uma penumbra o qual o breu apenas ecoava comentários maldosos de enfermeiros a sua volta até que tudo cessou em sua consciência. Ao despertar havia perdido por completo o senso de tempo e lugar, mas viu-se amarrada numa cama com um enfermeiro gordo com uma enorme verruga no nariz a lhe fintar diretamente enquanto dissipava seu esmorecer forçado. O crachá dizia que seu nome era Wilson Silva. — Qual o nome da senhora? Você se recorda? — Não sou mulher, sou homem! — Vociferou de volta. O homem fitou o relógio em semblante de preocupação e depois novamente a fitou e disse. — Ainda sofrendo com delírios de personalidade. Todos aqui sabem que você é uma loira muito bonita, diga-se, talvez você seja uma modelo por ser tão atraente. Vou ser sincero com a senhorita, aqui os encarcerados adorariam brincar com você, mas se você cooperar comigo e me satisfazer talvez possamos nos ajudar mutuamente. — Finalizou o homem lhe piscando o olho. — Vou lhe dar um tempo para pensar no caso. A pessoa sentiu enorme ojeriza por aquilo e cuspiu em sua direção, pois percebeu claramente que aquele enfermeiro corrupto queria abusar sexualmente da pobre pessoa ali estirada sem qualquer defesa. O homem levantou-se e saiu do cômodo a trancando lá dentro tendo apenas uma pequena janela com grades por onde adentrava a tênue luz do dia naquele lugar. Mas tão logo o silêncio tomou o ambiente até que um sussurro suave cortou-o dizendo. — Você estava visitando a cidade também não? — Quem está falando? — Indagou a pobre pessoa amarrada na cama. — Também sou paciente. Pense nisso, o que é a loucura se não a discordância perceptiva da maioria? Olhe, eles dizem a mesma coisa para mim, que sou mulher, mas o pênis entre minhas pernas diz o contrário, meu nome é William Morgan. Mas tenho um palpite, sou escritor e vim investigar um suposto vazamento tóxico nessa pequena cidade, acredito que isso esteja provocando uma espécie de delírio coletivo. 103