LiteraLivre Vl. 3 - nº 14 – Mar./Abr. de 2019
A casa transformada
Nilza Amaral
Campinas-SP
Tudo começa com um sentimento de insatisfação. Nada me parece bem. O
país está em decadência, transeuntes desnutridos passeiam suas misérias pelos
bairros nobres da capital. A maior cidade do país perde seu encanto de cidade
evoluída, cheia de charme seguidora dos momentos importantes do mundo.
Enchentes e banhos de lama encobrem cidades e expulsam moradores
desnorteados, à cata de um lugar seguro na terra. É hora de mudar de planeta.
Faltam super-heróis. Super-Homem poderia nos levar para Kripta, ou algum anjo
vingador para os céus. Sabemos que anjos e demônios já voltaram à terra, os
estúdios de cinema nos alertam para isso, mas o ser humano é distraído, não
leva nada a sério, é tudo entertainment.
Recebo mensagens diárias pelas redes sociais, as grandes inventoras da
felicidade virtual, são conselhos, parábolas de otimismo, evidências de que
navegamos para outros planetas cheios de felicidade borbulhante como bolhas de
champanhe espumante nos coçando as narinas. As pesquisas científicas
proliferam. Naves são enviadas ao sol, o espaço está carregado de satélites
espaciais em busca de um novo mundo onde a felicidade se esconde.
Religiões afirmam que a cada novo nascer, os fatos anteriores de outras
vidas são eliminados para não impedirem a felicidade nessa nova vida, nessa
nova galáxia. E a minha curiosidade trabalha, quer respostas, quero saber a
minha origem, quero descobrir a causa da minha indignação, quero ser feliz.
Lembro-me ainda de quando estudava Filosofia e Mitos, que Platão, Confúcio,
Buda e Goethe, falavam de valores eternos que na época passavam em branco
pela minha nuvem de superficialidade. Mas quando se envelhece, apesar de não
doer, volta-se para uma vida interior e então surge o grande enigma: se você não
se encaixa onde está, ou não souber se centrar, chega o sofrimento do quem sou
eu, para onde vou?
Então lembramos de histórias anteriores, civilizações que se formaram,
religiões que se transformaram, seres que outras galáxias que nos visitaram, até
livros escritos sobre plataformas de extras terrestres se espalham pelo planeta.
Eu estou no olho do furacão, sinto-me uma intrusa em meu mundo povoado
de transeuntes que me olham com olhos grandes e redondos ou cabelos
multicores, de passos enormes, e desconfio de que alguém quer o meu corpo
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