Revista LiteraLivre 13ª edição | Page 51

LiteraLivre Vl. 3 - nº 13 – Jan/Fev. de 2019 lágrimas. Como os de Douglas, um outro "capeta", me ensinam que anjos e demônios moram juntos. Bruno está no altar. Tão quieto! Logo ele, agitado, com tanta energia. Rodrigo, 15 anos, o mais velho, age como se o morto não fosse seu irmão: conversa aqui e ali, não chora, mostra o "Diário da Tarde" aos coleguinhas. Estranho: parece sentir orgulho em saber que o jornal fala de seu irmão. Silêncio. Reflexões. Talvez medo da morte. Que entra sem pedir licença, toda cheia de si, poderosa! Um choro quebra o silêncio. Choro alto, desesperado. Rodrigo vai lá, na entrada da igreja, abraça a mãe e vem com ela, protetor feito gente grande. E Bruno ri. Vai ver que é porque uma coleguinha lhe tocou a mão, costume dos Batista. – Ele parou de estudar para trabalhar... pra me ajudar!, soluça a mãe. O homem foi lá em casa, falou que tomava conta dele, eu não queria. Ele quis ir... pra me ajudar. Falou: "Ano que vem eu volto a estudar, mãe!" Observo a dor da mãe. Desgraça de vida, penso. E não consigo evitar algumas lágrimas. – O homem falou que tomava conta dele, que ele ia só trabalhar, que ninguém ia nadar. Ele nem foi lá, deixou os meninos sozinhos... foi pra me ajudar que ele foi, gente! Meu menino... Bruno não ouve os lamentos da mãe. O guri, ali no altar, está orgulhoso de si mesmo. Missão cumprida: não fez como o padrasto, abandonando a mãe. Não! Bruno foi vender sua água mineral. Sua, não! Do homem para quem foi trabalhar. – Ele falou que tomava conta dele, gente! Ele prometeu pra mim, gente! O pastor ajeita a coroa de flores. "Eternas saudades", se lê. – Aonde foi? – Na Várzea das Flores, explica Rodrigo, mostrando a manchete: "LAGOA ENGOLE MENINO". – A sala-de-aula não cabia ele. Nem o pátio da escola. Só a lagoa foi o seu lugar... filosofa a professora Beatriz. – É a cara do Brasil, comenta a diretora Lúcia Ferreira. Ora! Bruno só foi vender sua água mineral. Mas fazia tanto calor... 47