LiteraLivre Vl. 3 - nº 13 – Jan/Fev. de 2019
A Beleza
Marcos Andrade Alves dos Santos
Canaan/Trari/CE
Somos as coisas que florescem no outro. Tive essa ideia enquanto amava
uma roseira. Ela florescia naquela terra úmida e forte, roubando todos os olhares
para si. Era verdade que sua Beleza merecia destaque em relação a feiura
daquela terra, mas somente para os olhos rasos. Na verdade, a terra que
entregara sua substância para a roseira prosperar, era realmente a fonte daquela
Beleza. Jamais a roseira floresceria sem sua força, sem que a terra fosse seu
alimento... a terra é, portanto, a Beleza bruta e a roseira lhe tornava suave
através da delicadeza das suas pétalas.
A Beleza precisa de meios para ser inteligível aos olhares humanos, pois
os homens fragmentados se especializaram em ver apenas as coisas mais
aparentes, desprezando o profundo, o mistério – que é bruto e assustador em
sua versão original.
Certa vez, quando criança, conheci uma mulher que tinha o nome de
Beleza. Ela caminhava nesta pequena cidade, pelas ruas de terra e no mercado,
com uma bacia de colorau na cabeça. O colorau é uma coisa muito bonita. Ele
colore as linhas invisíveis do alimento, criando outros sabores e, assim novas
histórias para a comida. Muita gente gosta do colorau por causa da cor e da
realidade que cria na refeição.
Mas poucos sabem que o colorau nasce do suor e dos calos daqueles que
pilam a semente do urucum com a farinha de mandioca. O colorau floresce do
esforço de uma gente que mantém viva um fragmento do Antigamente. Essa
tentativa desaparece aos poucos; foi assim que senti quando a Beleza morreu e
ninguém mais surgiu com uma bacia de colorau na cabeça, oferecendo-o como
pretexto para contar muitas histórias sobre um tempo bonito que insiste em não
desabrochar nos novos.
A Beleza floresce mais bonita no outro, quando resgatamos essa
sensibilidade que permite penetrar na superfície e viajar até o mais profundo,
que é de onde transborda a mística que conquista o olhar. Transbordando numa
roseira ou no colorau, que se tornam meios graciosos para aparecer, a Beleza
impressiona nossos sentidos. Porém, como nos ensinou um homem que queria
ser árvore, é preciso caminhar contra o caminho deste tempo, ou seja, em
direção àquilo que vem primeiro, que ainda não chegou a ser belo como vemos
pelos “olhos tecnocegos”. E assim, diria Manoel de Barros, quando se volta ao
primitivo, se deixa de sofrer os desencontros do mundo e se alcança o poético e
o mítico, no seu estado original.
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