LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018
Le Cirque De Chuchu: Le Noire Danseur
DAVID LEITE
Jandira/SP
A caravana escapava de dentro da escura tempestade. Nem ventos, nem ondas,
nada poderia definir a espessa matéria que os engolia junto a luz em sua volta.
Apenas que era violenta como o mar ou como um furacão. O barulho dos
madeiros dos comboios se quebrando ao serem lançados de um lado a outro, os
gritos dos membros fugitivos, o breu... A mão do homem, então, se solta do
caibro da carroça coberta depois de tanto lutar para se manter. O homem vai ao
solo e, pelo instinto, se manteve ali, agachado, deixando tudo continuar rugindo
palmos sobre sua cabeça. O tumultuoso comboio se afasta no meio da densa
penumbra, e em pouco tempo nada mais se ouvia dele. O estalar intenso da
tempestade também começa a se amainar. Um pouco se ilumina, então. Algo no
meio do negrume começa a emanar um fio de luz.
Como o pior parecia ter passado, o homem se encoraja a levantar a cabeça.
Enfeitada de algum tipo de luz, uma mulher se aproxima em passos suaves,
enquanto a escuridão começa a suavizar ao seu redor. A mulher, de bela e firme
fisionomia, longos e brilhantes cabelos negros, vinha descalça em passos suaves
de dançarina, como suas vestes negras admitiam ser.
O homem, com a passada incerta, levanta-se e se sustém miseravelmente diante
dela. A luz se expande, revelando apenas os destroços ao redor da parte da
caravana fustigada pela força sombria de antes. O homem se apavora com a
cena, mas retorna a contemplar a outra presença ali.
- Você... Você está bem? – Questiona, embora ela parecesse distante do castigo
em que ele estava e sua expressão, quase um sorriso, sugeria que sim.
Ela não responde. Apenas alarga um pouco mais os lábios carmim num sorriso
quase perverso.
- Madame. Você não viu o que aconteceu aqui? A tempestade? De onde você
está vindo?
O questionário permanece sem resposta.
Ao invés disso, a mulher põe-se em postura. Estendendo os braços, começa a
desenhar com os dedos no ar, graciosamente, enquanto move o ventre com
desenvoltura. Olhos fechados, o sorriso perverso. Uma música ainda não existia,
mas os primeiros passos de uma dança airosa se iniciava.
- Quem é você? – O homem interpela, agora começando a se desesperar.
- Eu sou aquela que te dá propósitos e nenhum caminho. Eu sou a coreografia
dos que dançam as horas que passam. Eu estou atrás de tudo que se move, e na
frente de seus destinos. Você sabe quem eu sou...
A música então reinicia. Da clareira minguada, tentáculos de escuridão começam
a brotar e se apresentam bailando como consortes da dançarina, silvando e se
retorcendo. Diante daquilo, o homem, aterrorizado, põe-se a correr, claudicando
com a já ferida perna. O rumor de ventos e ondas quebrando atrás dele cresce. A
música selvagem o estremece enquanto ele aperta o passo, ingloriamente.
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