LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018
Requiem Aeternam
Paulo Ras
Paranaguá/PR
Era meia-noite quando remediei as luzes. Remendei o féretro que vagava
fantasmagórico pelo centro da minha vila. Dentro do esquife o rosto que sorria
macilento era o dos meus dias mais nebulosos. Morreram eles? Ou a vida me
zomba, e quem morreu fui eu? Não há viúvas atrás do corpo vadio, nem uma
carpideira sequer para relembrar meus feitos mais imbecis e irreais, com
lágrimas fake, com dores sem sentido. Lá adiante, acho que minha vida ruiu
junto com a ponte mambembe construída para me isolar das minhas insônias
mais violentas, que acontecem a cada cem anos. Até hoje, não tive nenhuma,
pois durmo o sono dos impuros, dos injustos, dos emudecidos. Vou ´para a
calçada para acompanhar a procissão de um homem só, e este herói não é meu
pai, não é minha mãe, é apenas a projeção de mim mesmo, andando lento para
ter certeza de que serei posto em um buraco fundo, com cal, areia, concreto e
esquecimento. Nem o mármore sobrou. Serei um morto desvalorizado pelo
tempo. Mas me enterrem antes de anoitecer. Quero ficar quieto, ouvir os grilos,
as cigarras e ter certeza que amanhã será um dia de calor sufocante. Eu sou
claustrofóbico. Será que arranharei a portinhola para respirar, para sair? Duvido.
Sou resiliente, nem por essa morte incômoda sou capaz de me abalar. Enxugo
minhas lágrimas com um lenço sujo que achei no bolso da minha calça surrada. É
difícil se ver partindo. Dou um adeus meio sem jeito. Pelo menos eu chorei por
mim. Bato o portão. Sento no banco carcomido pelo abandono e me vejo
refletido na poça de água que o verão formou. No reflexo estou tão vívido. Serei
eu ou o movimento das marés neste pequeno oceano? O que importa se eu estou
logo ali, naquele caixão frio, sendo carregado por um carro caindo aos pedaços,
dirigido por algum estranho que sequer sabe que o único que chora minha
partida sou eu mesmo. Preciso tomar meus remédios para pressão, diabetes,
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