LiteraLivre Vl. 2 - nº 12 – Nov./Dez. de 2018
Muito além da dor no corpo
Gracielle Torres Azevedo
Maceió/AL
Aquele dia parecia ser diferente, e foi. Adentrei à enfermaria e avistei uma
mulher jovem, cabelos longos amarronzadas, rosto fino, olhar vago, usava óculos
de grau com armações vermelhas, respondia em monossílabos, como quem não
quer prolongar o assunto. Tentei manter um tom mais animado, ao perceber sua
apatia. Questionei-lhe sobre suas dores; ela foi inespecífica e em segundos
apontou todo o corpo: as costas, a perna, a coluna, o peito, a cabeça, o pé e os
cotovelos.
Exclamei-me em pensamento que teria muito trabalho por ali. Tentei
esmiuçar suas queixas sem grande sucesso, pois eram várias e difusas. Eu, ainda
perdida, buscava um ponto de partida para aliviar-lhe as dores, e como se já não
bastasse ela completou dizendo que as dores pioram ao sentar ou caminhar e
surge uma falta de ar ao deitar.
Seu corpo não queria sair da cama. Ela tinha face de dor. Era inegável que
as dores físicas existiam, mas algo mais profundo parecia estar ali. Algo me
intrigava e eu precisava desacortinar. Se tudo lhe doía, isso parecia ser apenas a
ponta do iceberg, havia algo muito além de um corpo com dores.
Ela não queria exercícios, negava intervenção e rejeitava cuidados, apesar
do semblante de sofreguidão e pesar. Procurei o serviço de psicologia, tentamos
uma abordagem juntos, uma “injeção de ânimo”, mas nada parecia adiantar.
Resolvi não intervir e fui à enfermaria sem estetoscópio e sem pretensões.
Aproveitando uma folga na agenda, passei por lá para doar-lhe meus ouvidos,
apesar dela não demonstrar querer conversar.
Repeti as visitas por uma semana na tentativa de construção de algum
vínculo, e para a minha surpresa, naquele dia, ela me falou da morte de sua filha
há 5 anos. Uma tristeza tomou meu peito e meus olhos marejaram.
Tudo então fez sentido. As dores em seu corpo era sua alma latejando de
saudade e seu coração destroçado num vazio infinito. A dor era ausência que não
pode ser preenchida; era vazio de amor e para essa dor não há remédios e nem
exercício.
E como se acalentasse a mim mesma, dei-lhe num abraço o meu afeto para
tentar atenuar por um minuto esse vazio.
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