Revista LiteraLivre 11ª Edição | Page 87

LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018 Mesmo o escaldante sol parecia me perfilar em reprovação quando ao escavar encontrei aquela porta de pedras verdes. Por qual motivo o luxo suplantaria o medo? Que achado, eu pensei, ao tocar aquela formidável estrutura reerguida com afinco pelos antigos, pois aquela cripta era também seu templo por causa de um terror que de tão medonho gerava respeito aos incautos que não quisessem fulminarem no enfado e infarto do medo. A medida que tirava a terra que encobria a porta que estava inclinada a 45 graus, desvelava-se inscrições em sumério que antecediam mesmo Dante Alighieri em seu bizarro pedido para que os que lá adentrassem abandonassem toda fé e esperança. Mas como fui ignorante em negar tais avisos! A sua volta, nas laterais da porta, duas grandes gárgulas enigmáticas pareciam proteger suas entradas como Guardiões do Hades, tal como Cerberus no inferno e Miguel nos céus. Como tolo fui em considerar isso como relés mitos o qual as afirmações esparsas no tempo remetiam as desculpas dos cleros para a conversão de cristãos. Soube da pior forma tardia que não! O caminho dos curiosos, o caminho dos vãos prazeres e desejos moralmente senis, que levavam apenas a seu oposto, mas este tortuoso caminho se apresenta de muitas formas para muitas formas de pessoas, ai dos que virão atrás de mim, antes o Estado Islâmico detone aqui bombas! Mesmo meu ajudante se recusou falar em minha língua, sua recusa em prosseguir. Mas de bruços deitei-me para que livremente me rastejasse pelas entranhas da terra até o inferno onde o calor não era o amor, mas o que ardia nossos pecados. O escuro precedia as chamas trêmulas das dores alimentadas com as almas dos condenados, mas faminto como era aquele que lá reina queria mais e mais, não somente tragar almas, mas expandir seus territórios fazendo encima como embaixo. Tão logo ao acender as luzes da lanterna como fiapo de resistência da esperança, o torpor de odor bolorento me sobreveio como anestesia aos meus sentidos. Tão logo aquela mescla de amônia com enxofre parecia prenunciar improváveis atividades sísmicas na região pois lá não dormia um vulcão. O medo há de manifestar em todos os sentidos, assim pensei ao ouvir ecos de um grande espaço em seu interior. A medida que avancei agora engatinhando esses sons pareciam remeter o murmúrio de arrependimento de suas vítimas. São muitas línguas, poucas delas identifiquei, como se ali fossem as fundações da antiga Babel. Mas então um gemido que parecia conter toda dor e prazer do mundo ecoou sentenciosamente silenciando as demais ao dizer num agourento latim: Periit omni tempore futuro animarum locis. 81