Revista LiteraLivre 11ª Edição | Page 165

LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018 Um Retrato Fidedigno da Vida de Inocente João Loureiro Antonio Netto Jr Sorocaba/SP "Quem o vê, perde totalmente o rumo, e não sabe mais achar o caminho de volta." Caapora - Dicionário Tupi-Guarani - E como é aquele sonho recorrente que você tem? - Sonhei com uma estrada, uma subida, ladeada por barrancos altos cobertos de pinheiros que se fecham no topo, deixando essa estrada sempre escura, como se fosse um túnel. Sonhei diretamente com ela ontem, pela primeira vez. No final, ela acaba em uma pista asfaltada, estreita, toda esburacada, por onde os carros passam em alta velocidade. Muito perigosa. Ultrapassei um caminhão na estrada escura, coberta de cascalho, e virei à direita na pista, cheguei em um trevo, muito perigoso, apesar de relativamente deserto. Ao lado, há um lugar, que também conheço. É um lugar baixo, como se fosse um buraco cavado no chão, uma pedreira abandonada. Uma estrada entre os pinheiros dá acesso, depois é sem saída. Na frente, uma parte de água, cavocaram até a água e deixaram assim. É raso, e as pessoas usam como se fosse uma praia. Uma sensação ruim de ver esse local, com o qual sonhei diretamente noite passada, pela primeira vez. Esse lugar não existe, mas é como se existisse, como se eu soubesse onde fica, mas não sei, porque não existe. - Como assim? - Anos atrás, sonhei com uma estrada parecida, de terra, toda esburacada, eu estava com meu pai em uma caminhonete, e ele me levava por essa estrada. Dizia que conhecia cada buraco, cada desvio, e me mostrava como eu devia fazer para passar pelos trechos mais acidentados. Acordei, poucos dias depois meu pai foi diagnosticado com um tumor maligno no cérebro, incurável. Conforme o tumor avançava, ele ao perdendo lentamente a consciência, até ficar como uma criança. Uma das habilidades que ele manteve por mais tempo foi sua capacidade de dirigir. Ele perdia a memória, ficava sem palavras, mas continuava dirigindo muito bem. Um dia ele estava muito afoito, queria me dizer alguma coisa, mas não conseguia, tinha ficado sem palavras, algumas palavras soltas escapavam aleatoriamente, sem sentido, era impossível entender o que ele queria dizer. Ainda estava bem de saúde, fisicamente, e conseguia dirigir perfeitamente. Pediu que eu entrasse no carro, e foi dirigindo até um local distante, no meio do sertão. A estrada ia ficando cada vez pior, e ele tentando explicar não sei o que. 159