Revista LiteraLivre 11ª Edição | Page 67

LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018 Ouviu o telefone tocar, estava doente e proibida de sair da cama, então a mãe foi quem atendeu. O silêncio seguido de um choro desesperado a deixou alarmada: foi assim que descobriu o porquê da súbita vontade de chorar - ele se fora. Para onde? Ela ainda se pergunta. Desejou nunca ter ficado doente, queria ter estado com ele naquele momento. Queria ter ido com ele se fosse possível: era a melhor parte que havia nela e agora tinha restado apenas um fragmento do que ela fora um dia. No velório não pôde vê-lo pela última vez: o pai, ainda se recuperando do acidente, se culpava pelo que tinha acontecido. A mãe o culpava também: sabia, no entanto, que ninguém tinha culpa - fora um acidente, afinal. Ela decidiu morar com o pai depois do divórcio, tinha medo que ele fizesse qualquer bobagem por conta da culpa que sentia. Visitava a mãe com frequência, ela também precisava ser vigiada e constantemente lembrada que ainda tinha uma filha. Em um piscar de olhos de um plantonista com sono tudo mudou: enquanto o carro rodopiava no ar, o destino era retraçado - ela foi o último pensamento dele, e pôde senti-lo se despedir. No entanto, o tempo que passaram juntos não fora suficiente. Um infinito pequeno demais para o tamanho do amor que ela sentia. Por isso, todos os dias depois da aula, ela corria até o cemitério. Sentava no mármore frio do túmulo do irmão e lia seu livro preferido. Contou-lhe como havia sido seu dia e o que os colegas faziam e também sobre o memorial que fizeram em sua homenagem. Contou sobre o divórcio e como tinha sido difícil escolher um lado. Contava-lhe tudo. Ele era sua alma gêmea, era seu corpo gêmeo. Era a melhor parte dela, não tinha sido: ainda era - o elo que os ligava não poderia ser desfeito nem mesmo pelo anjo da morte. https://www.facebook.com/angelica.alves.9041 61