LiteraLivre Vl. 2 - nº 11 – Set/Out. de 2018
Ouviu o telefone tocar, estava doente e proibida de sair da cama, então a mãe foi
quem atendeu. O silêncio seguido de um choro desesperado a deixou alarmada:
foi assim que descobriu o porquê da súbita vontade de chorar - ele se fora. Para
onde? Ela ainda se pergunta.
Desejou nunca ter ficado doente, queria ter estado com ele naquele momento.
Queria ter ido com ele se fosse possível: era a melhor parte que havia nela e
agora tinha restado apenas um fragmento do que ela fora um dia.
No velório não pôde vê-lo pela última vez: o pai, ainda se recuperando do
acidente, se culpava pelo que tinha acontecido. A mãe o culpava também: sabia,
no entanto, que ninguém tinha culpa - fora um acidente, afinal.
Ela decidiu morar com o pai depois do divórcio, tinha medo que ele fizesse
qualquer bobagem por conta da culpa que sentia. Visitava a mãe com frequência,
ela também precisava ser vigiada e constantemente lembrada que ainda tinha
uma filha.
Em um piscar de olhos de um plantonista com sono tudo mudou: enquanto o
carro rodopiava no ar, o destino era retraçado - ela foi o último pensamento dele,
e pôde senti-lo se despedir.
No entanto, o tempo que passaram juntos não fora suficiente. Um infinito
pequeno demais para o tamanho do amor que ela sentia. Por isso, todos os dias
depois da aula, ela corria até o cemitério. Sentava no mármore frio do túmulo do
irmão e lia seu livro preferido. Contou-lhe como havia sido seu dia e o que os
colegas faziam e também sobre o memorial que fizeram em sua homenagem.
Contou sobre o divórcio e como tinha sido difícil escolher um lado. Contava-lhe
tudo. Ele era sua alma gêmea, era seu corpo gêmeo. Era a melhor parte dela,
não tinha sido: ainda era - o elo que os ligava não poderia ser desfeito nem
mesmo pelo anjo da morte.
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