LiteraLivre Vl. 2- n º 11 – Set / Out. de 2018
Chamada Para Um Morto
JAX Brasília / DF
A notícia correu rapidamente. Em toda a rua, as mesmas caras estupefatas, quase as mesmas expressões verbais. Do Sr. Ivo, próspero negociante, à pobre lavadeira, D. Iná, todos logo ficaram sabendo e reagiam como num coro orquestrado:“ Mas não me diga, sinhá”.“ Pois é, assim de repente”.“ O médico tinha dito que ele andava fraco”.“ Ah, meu Deus!”.“ Esse mundo não vale nada!”.“ Quando é o enterro?”.“ Às quatro da tarde”.
Logo depois do almoço, começou a movimentação. Procura aquela gravata preta, repassa o vestido, o terno, ninguém quer fazer feio. D. Marocas pensou que era hora de estrear os brincos recém comprados. As crianças perguntavam, insistentes, se realmente precisavam ir.
Muita gente compareceu. Às duas horas, já havia meia dúzia de urubus, empertigados de negro, na sala de jantar, convertida em câmara mortuária. Sentada aos pés do caixão, a viúva levantava a cabeça ocasionalmente e agradecia, em meio a soluços, as manifestações de pêsames. Ao seu lado, a irmã vigilante, de olhos e nariz vermelhos, em postura de absoluta solidariedade.
Uns vinham apresentar-se diretamente à viúva, outros ficavam por instantes a olhar o caixão negro, onde jazia o corpo do velho, coberto de flores. Aliás, é tempo de falar do falecido, elemento catalisador de toda a vizinhança, parentes, conhecidos e demais interessados ali presentes. Seu nome completo era Otaviano Marcondes de Faria. Idade, sessenta e oito anos. Profissão, escriturário( florista, nas horas vagas). Nem melhor, nem pior que outras pessoas, apenas um cidadão comum. Sua vidinha consistia em ir ao trabalho, voltar, cuidar das flores, bater papo com a mulher, vizinhos e amigos. Gostava de ouvir rádio nas manhãs de sábado. Fora isso, um chopinho de vez em quando no bar da esquina, ou, com melhor sorte, um final de semana em Arraial do Cabo, onde vivia a mãe. Otaviano também gostava de futebol, torcia pelo magistral Fluminense, embora com moderação, bem de acordo com seu estilo de vida. Conhecia todos na rua em que morava, o que talvez explicasse a multidão que ali compareceu, embora não fosse de descartar a presença de um ou outro curioso, à cata de algo diferente para ver naquele dia fatídico.
O Sr. Ivo foi quase o último a chegar.“ D. Dolores, meus sentimentos. Nem tenho palavras para significar o quanto sinto”. A viúva repetia, à exaustão, que o pobre marido já se vinha queixando de falta de ar há algum tempo. Consternadas conclusões de que a vida era assim mesmo também se sucediam em profusão. D.
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