LiteraLivre Vl . 2 - n º 11 – Set / Out . de 2018
A Mala
Fernando Neneve Cascavel / PR
Sob o sol forte do deserto um viajante solitário carregava nos braços tudo o que tinha - e não era muito , para dizer a verdade : eram dores do passado , eram cicatrizes . Algumas lágrimas , aqui e ali , e muitas decepções . Estas eram frutos das expectativas desse pobre andarilho quanto às pessoas , quanto a ele mesmo – quanto maior é o que se espera e se busca , maior é a frustração quando não se obtém o objeto do desejo : ele era seu próprio antagonista , sabia disso e eram essas as correntes invisíveis que prendiam-no à areia movediça da desilusão . À medida que vagava por terras desoladas , os campos devastados de seu coração pareciam , cada vez mais , incapazes de fazer germinar quaisquer que fossem os sentimentos : não havia esperança em seu jardim , nem amor próprio ou felicidade . As feridas que trazia abriam-se , de quando em quando , principalmente se ele se punha a questionar como fora parar ali . Não tinha respostas para as próprias perguntas e , ao invés de buscá-las em outrem , sufocava-as em seu próprio peito . Desistiu do amor , desistiu de si mesmo : não desistiu da vida porque era fraco – e , ainda bem , aprendeu mais tarde a agradecer por isso . Quando o solo se tornou pedregoso e sua jornada começou a ferir seus pés também , ele sentou-se e aguardou . Aguardou que alguém salvasse sua alma e levasse seu corpo , aguardou que um milagre acontecesse ... aguardou o arrebatamento , embora soubesse que não era digno dele . Desistiu de aguardar , enfim , desistiu de desistir : não pensou que tivesse forças para continuar , mas deu um passo a mais do que poderia querer ou imaginar e deu um próximo depois deste . Sob a sombra dos galhos mortos de uma altiva árvore de outrora ele encontrou uma velha e surrada mala de couro , esquecida por alguém e pelo tempo : lá estava esperando pelo viajante solitário . A mala também tinha sinais de luta , com certeza sua peregrinação não foi menos conturbada que a dele . Ele , depois de muito relutar , depositou nela seus pesadelos , seus medos , suas dores , suas cicatrizes , suas feridas ainda abertas ... depositou-se ali com todo o zelo e , com ela sob seu braço , inspirou com confiança e aspirou a um futuro diferente . As estéreis areias do deserto ficaram para trás , o terreno pedregoso e o ambiente desconfortável das florestas mortas também . Encontrava-se , agora , perdido em pensamentos e terras férteis . Animou-se quando ouviu o som da chuva caindo , amou-se quando as lágrimas das nuvens lavaram o pó de suas
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