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Gestão em Saúde Revista ideaas | DOIS | OS DESAFIOS DA GESTAO TRIPARTITE DO SUS Em um sistema de saúde extremamente fragmentado, conciliar interesses e chegar a consensos é uma tarefa árdua, que prejudica, principalmente, os pacientes. Mas há caminhos para a transformação N o modelo brasileiro de saúde, existem políticas federais, estaduais e municipais, mas acontece frequentemente do Estado definir uma priori- dade, repassar a verba para determinado município e ele simplesmente decidir que prefere usá-la para outra finalidade. E realmente não precisa acatar a diretriz do Estado, já que não está sob seu mando. Assim, muitas ações ficam es- tagnadas e a gestão, idem. Quem perde com isso? A população. O parágrafo acima resume bem o maior desafio da administração tripartite do SUS que, como o próprio nome diz – Sistema Único de Saúde –, é um sistema, cuja engrenagem envolve todas as esferas do poder: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. E para que este sistema flua, respeitando-se a autonomia de cada uma dessas partes, sua dinâmica de funcionamento deve operar mediante pactuações entre todos os níveis. “Mais importante do que discutir valores, esse assunto é fundamentalmente uma questão de governança. No Brasil, temos um modelo, estabelecido pela Consti- tuição de 1988, no qual, além da instância federal, há muitos compromissos nas mãos de estados e municípios também”, afirma Ana Maria Malik, professora da EAESP-FGV/SP (Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas) e coordenadora da FGV/Saúde. A especialista lembra que, quando a Constituição foi votada, ficou acertado que não adiantava atribuir responsabilidades aos municípios sem que eles tivessem recursos para dar conta delas. Então, também houve um ajuste para que eles passassem a contar com mais receita. No decorrer do tempo, foi aprovada uma emenda cons- titucional que atribuiu percentuais da arrecadação de municípios e estados para serem alocados na área da saúde. Aí entra a questão de governança, de acordo com Ana Maria. “O problema é que, no Brasil, o Federal não manda no Estadual, que não manda no Municipal. Então, ou existe um acordo entre as instâncias para resolver o que será feito em cada município ou cada um vai para onde bem quiser”, explica. Fóruns de discussão Outra vez, o que era para ser um faci- litador, que poderia desenrolar vários impasses, muitas vezes, torna-se um fator complicador, porque as decisões não são tomadas por votação, mas por consenso. E a dificuldade está em se che- gar a um denominador comum. “Colocar todo mundo na mesma página e pactuar não é fácil. Em geral, há discussão, prin- cipalmente no que se refere a repasses de dinheiro. Às vezes, o embate é lícito. Por exemplo, existem realidades em que um município é pequeno e não tem como dar conta da sua população sozinho. Aí, por mais que queira fazer melhorias precisa da ajuda do estado para isso”, resume Ana Maria. Há tempos, este desafio foi mapeado e algumas ações, implementadas. Desde a Constituição e da lei que instituiu o SUS, existem conselhos e comissões em todas as instâncias que trabalham para dispor sobre a organização do SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a respeito da articulação nacional. Uma delas é a Comissão Intergestores Tripartite, que é responsável, justamente, por atuar na direção nacional do Sistema Único de Saúde e que inclui gestores das três esferas do governo mais o Distrito Federal. Colocar todo mundo na mesma página e pactuar não é fácil. Em geral, há discussão, principalmente no que se refere a repasses de dinheiro. Ana Maria Malik Segundo a coordenadora da FVG/Saúde, a lógica percebida pela experiência mos- trou depois de décadas que talvez a instância regional devesse ser subdividida em outras sub-regionais. A partir daí, prefeitos de sub-regiões poderiam se organizar melhor em consórcios ou serem mediados por alguém da instância estadual para organizar melhor as políticas de saúde e alocar verbas com mais assertividade. Para ela, hoje, nosso sistema de saúde megafragmentado, nesse modelo de ges- tão tripartite, impede esse tipo de reorganização e otimização de recursos que, no Brasil, já são escassos e mal administrados. “Imagine 5 mil municípios, cada um querendo fazer sua própria política de saúde, querendo construir o seu próprio hospital... Não dá, é jogar dinheiro fora. E o coitado do cidadão fica sem assistência quando precisa.” No fim das contas, segundo a especialista, a gestão tripartite é uma boa ideia, mas de difícil implementação. Porque são muitas cabeças para um só corpo: um país, 26 estados mais o Distrito Federal e 5 mil municípios, além de uma população de 209 milhões de pessoas, das quais 80% recorrem aos SUS com frequência. Para funcionar, é necessária uma mobilização mais efetiva por parte das comissões, conselhos e consórcios que pensam e discutem a saúde. “Só a inovação na forma de trabalhar é que vai permitir que se defina o que, de fato, tem de ser feito, com que recurso e para quem. Deve-se ter em mente que é preciso cuidar da saúde, não apenas tratar a doença. Se dermos ênfase e atenção à saúde primária e com qualidade de assistência, com atendimento segmentado por bairros, por exemplo, já será um bom começo. E a gestão tripartite pode se esforçar para colocar isso em prática”, conclui. De olho no modelo inglês Uma inspiração que pode ser útil ao nosso sistema de saúde, de acordo com Ana Maria Malik, é o modelo inglês. Ele se baseia no médico de família, aliado a enfermeiros e outros profissionais da área da saúde que fazem diversos procedimentos e otimizam o atendimento. Eles atuam em microrregiões dos municípios e as informações sobre os pacientes ficam disponíveis em um banco de dados nacional. Ou seja, sempre que necessário, qualquer médico do país pode consultá-las, entender o histórico do cidadão e conduzir melhor o seu tratamento 24