contos Butterf ly
Mariza Lourenço *
U medeceu de repente. Em plena Avenida Tiradentes, às quatorze horas, sob um sol radiante, bonito e cruel. E isso agora? Perguntou-se baixinho. Precisava trabalhar e estava encharcada de tesão. Coisa despropositada para acontecer àquela hora, naquele lugar e sob aquele sol filho da puta.
O motivo da tesão atemporal lhe era desconhecido e pouco importava, mas o medo de que a descobrissem em suposta falta, era enorme. Descontrolada, entrou de sopetão num boteco encardido. Precisava se esconder, tomar água gelada, café quente, cerveja choca, chocolate, piña colada. Precisava de um... Cacete, quê que eu tô pensando da vida?
Os pequenos dedos tocavam uma música imaginária sobre os joelhos, enquanto o dono do boteco estendia uma toalha descartável sobre a mesa. Sem conseguir conter a curiosidade, o homem tentou entabular uma conversa:
— Calor, moça... Trabalha aqui perto?
— Um fogo! Não, não trabalho. Nem sou desta cidade. Estou aqui a passeio, sabe...
Mentira deslavada e muito pouco convincente para quem trazia consigo todo o material de trabalho. Dane-se, pensou, nunca mais vou entrar nesta espelunca mesmo.
Novamente, a umidade, desta vez mais intensa. Pequenas gotas de suor formaram-se sob os seios e a nuca. Os pelos, todos, eriçaram, enquanto a vulva contraía-se numa dança pagã. E o motivo estava bem ali, à sua frente, roto, suado, de barba e bigode, com cara de poucos amigos. O olhar daquele homem era um atentado, quase um crime. Obsceno.
Não vou olhar, não vou olhar, não vou olhar. E fechou os olhos, e juntou os joelhos, como se esta movimentação inútil pudesse evitar a dança. Que, agora, havia se tornado insuportável.
Abriu os olhos, ele continuava lá, desafiando-a com um leve, quase imperceptível, sorriso nos grossos lábios.
— Desiste?— Não vou querer...
Mas quis. E quis de todo jeito, sobre aquele chão imundo, sob aquele corpo desconhecido e delituoso. Os braços que a envolviam, os pelos que a arranhavam, as pernas que a apertavam, a boca que a chupava, a transformaram em cachoeira, em mar.
Quis. De todo jeito, jogando sob ele, com ele. E gozou, na mais espetacular e delinquente foda de toda a sua vida.
Abriu os olhos. Ele havia ido embora. E ela precisava trabalhar.
A umidade permanecia escondida, como toda lembrança escondida.
O sol estava radiante, bonito, cruel.
Mariza Lourenço, Escritora e advogada, vive em Valinhos / SP. Integra as antologias: Saciedade dos Poetas Vivos, Vol. VI, org. Leila Míccolis e Urhacy Faustino( 2008); Dedo de moça— uma antologia das escritoras suicidas( 2009); Coisas de Mulher, org. Conselho Estadual da Condição Feminina( 2010); A poesia é para comer, org. org. Ana Vidal( 2011) e Amar, verbo atemporal, org. Celina Portocarrero( 2012). É coeditora da Germina— Revista de Literatura & Arte e editora de arte das Escritoras Suicidas e do site do escritor Rodrigo de Souza Leão. Escreve no Nóstres.
Revista DESEJO • 17