Revista de Medicina Desportiva Novembro 2020 Novembro 2020 | Page 34

rapidamente do que consegue produzir , origina um quadro patológico de hipotermia ( quando a temperatura baixa dos 30 ° C , cessa qualquer resposta adaptativa e o organismo tende a equilibrar com a temperatura ambiente ); em conjugação com outros efeitos ambientais , como a água ou o vento , e mantendo a temperatura central , as lesões são essencialmente tecidulares .
A hipotermia pode ser classificada como aguda , subaguda e subcrónica .
A hipotermia aguda , de imersão ( parcial / total ) ou submersão , ocorre habitualmente pela imersão súbita em água fria e desencadeia aquilo que se designa como a Resposta de Choque ao Frio e que se caracteriza por um descontrolo respiratório ( gasp ) e por hiperventilação , que desencadeia alcalose respiratória , com redução da perfusão cerebral e consequente perturbação cognitiva , muitas vezes associado a pânico , permite a passagem de água para as vias aéreas e leva ao afogamento . Por outro lado , a vasoconstrição súbita e generalizada , com um brusco aumento do débito central e taquicardia , pode levar à falência e paragem cardíaca . Se esta situação conseguiu ser ultrapassada , mas a permanência dentro de água se mantém , vai instalar-se a Incapacitação Pelo Frio , com perturbação cognitiva e perda do controlo motor , inibindo a possibilidade de continuar a tentar resolver a situação ou manter atividade geradora de calor . Esta situação resulta da diminuição de aporte sanguíneo aos músculos periféricos , afetando a sua capacidade funcional , o que vai evoluir irreversivelmente para a hipotermia . A submersão tem sido habitualmente relacionada com crianças e exposição a água gelada .
Em circunstâncias de adaptação ao frio , a vasoconstrição , sobretudo das extremidades , é modulada por períodos transientes de vasodilatação , mediada a nível neurológico central , com o objetivo de proteger os tecidos e manter a destreza nos dedos . Esta resposta está aumentada se as mãos forem frequentemente expostas ao frio com manutenção da temperatura central e cutânea e inibida em algumas patologias ( Diabetes Mellitus , por exemplo ), potenciando o risco de lesão tecidular . Por outro lado , as reações da Resposta de Choque ao Frio diminuem com a exposição repetida à imersão .
A hipotermia subaguda está habitualmente associada à exposição ao ar frio com vento e chuva , durante horas ou dias . Este tipo de exposição gera igualmente fenómenos de habituação , com menor perceção de desconforto pelo frio e redução das respostas termogénicas musculares . A hipotermia subcrónica ocorre habitualmente em militares envolvidos em operações longas ( dias / semanas ) ou em ambiente urbano , em idosos malnutridos , expostos a baixas temperaturas .
À hipotermia associa-se o risco de desidratação potenciado pelos mecanismos de adaptação , nomeadamente a hiperventilação , hemoconcentração , débito urinário aumentado , sudorese por vestuário desadequado , diminuição do estímulo da sede e redução voluntária da ingestão de líquidos para evitar diurese frequente .
A cascata semiológica da hipotermia evolui pelos primeiros sinais de alarme , que são o tremor muscular involuntário , seguindo-se a incapacidade funcional , a depressão neuro- -cognitiva e culminando em eventos disrítmicos cardíacos .
As lesões tecidulares são de dois tipos : As Lesões Não-Congelantes ( Pé de Trincheira e Pé de Imersão ) derivam do contacto prolongado da pele das extremidades com um ambiente frio e húmido ( 0-15 ° C ), desencadeando lesão neurovascular com lesão tecidular que poderá evoluir para a gangrena .
As geluras ( ou geladuras ) assumem um quadro de verdadeiras queimaduras pelo frio , causadas pela vasoconstrição extrema e formação de cristais de gelo ou mesmo congelamento dos tecidos . Classificam-se em 4 graus consoante a profundidade da lesão e leva muitas vezes à perda total das partes afetadas . A gravidade destas lesões resulta da interação de vários fatores ambientais ( temperatura de exposição , efeito da velocidade do vento na temperatura – wind chill factor ( Figura ), tempo de exposição ) e individuais ( genética , equipamentos de proteção , fármacos , co-morbilidades – diabetes , episódios anteriores …).
A prevenção das lesões induzidas pelo frio passa pelo uso de vestuário adequado , em camadas , que são removidas em função dos níveis de atividade física , de modo a minimizar a acumulação de suor e manter a sensação de conforto térmico , mudas frequentes para roupa seca , luvas isolantes e luvas interiores de proteção contra queimaduras de contacto ou exposição momentânea a temperaturas extremamente baixas , meias secas e mudadas frequentemente , vigilância das extremidades e áreas de pele expostas , não usar cremes “ hidratantes ” ou de proteção ( exceto nos lábios ) devido à falsa sensação de segurança motivada por um aumento da percepção de calor ( facial ). Deve ser evitado o tabagismo e ter especial atenção a co-morbilidades que interfiram na resposta autonómica e vascular ( aterosclerose , diabetes , fármacos vasoconstritores ) e ainda o uso de vestuário demasiado justo .
A terapêutica no terreno das situações menos graves de hipotermia passa em primeiro lugar pela proteção e redução de mais perdas de calor ( tapar a cabeça , que não tem vasoconstrição e por isso é um local importante de perda de calor ) e permitir o reaquecimento natural . Deve-se evitar a utilização de fontes diretas de calor , pelo risco de lesar tecidos com a sensibilidade alterada , e bebidas alcoólicas , pelo seu efeito vasodilatador cutâneo . Caso a vítima esteja consciente , poderão ser administradas bebidas mornas , pelo seu efeito reconfortante e ainda para reforçar a hidratação , diminuindo o risco de tromboembolismo devido à hemoconcentração .
As geluras de 1 º grau e , eventualmente algumas de 2 º grau , podem recuperar espontaneamente e ser tratadas localmente . As de grau mais avançado devem receber tratamento hospitalar e devem ser envidados todos os esforços no sentido de evitar o descongelamento das lesões ou , caso não seja possível , assegurar que não ocorre recongelamento , pela gravidade exponencial do dano final .
32 novembro 2020 www . revdesportiva . pt