Revista de Medicina Desportiva Novembro 2020 Novembro 2020 | Page 33

Rev . Medicina Desportiva informa , 2020 ; 11 ( 6 ): 31-35 . https :// doi . org / 10.23911 / SPMD _ 2020 _ nov Exercício no Frio

Dr . Marcos Miranda Especialista em Medicina Desportiva e Competência em Medicina Hiperbárica e Subaquática e Competência em Medicina Aeronáutica ; Autoridade Nacional da Aviação Civil ; Centro de Medicina Desportiva de Lisboa ; Secretário-geral da SPMD . Lisboa
RESUMO / ABSTRACT
A exposição a temperaturas baixas condiciona adaptações de modo a manter a homeostasia térmica , mas os mecanismos adaptativos a longo prazo são essencialmente de natureza comportamental . Descrevem- se as principais situações patológicas relacionadas com a exposição não protegida ao frio .
Exposure to low atmospheric temperatures generates adaptation responses in order to preserve body temperature within physiological limits , but long-term adaptation is essentially behavioral . The main medical conditions related to non-protected cold exposure are also briefly described .
PALAVRAS-CHAVE / KEYWORDS
Frio , exercício , hipotermia , geladuras Cold , exercise , hypothermia , frostbite
A exposição a ambientes térmicos extremos desencadeia adaptações fisiológicas agudas e crónicas de modo a manter a homeostasia . No entanto , quando a essa exposição se associam outras variáveis ambientais , essas mesmas adaptações podem originar manifestações fisiopatológicas , por vezes com consequências fatais . O ser humano consegue viver em ambientes de frio extremo , mas a maior parte das adaptações a este ambiente são de natureza comportamental .
Habitualmente associamos a ocorrência de patologia ou lesões induzidas pela exposição a baixas temperaturas com os desportos de inverno ( esqui , patinagem no gelo , trenó / bobsleigh ou alpinismo ), mas também podem ocorrer em desportos náuticos ( vela , kayak , motonáutica , esqui aquático , surf ), aquáticos ( natação em águas abertas ) ou subaquáticos . A prática recente de atividades designadas como mais radicais , como os trails de montanha
ou nos polos , vieram aumentar o número de potenciais praticantes em risco . Outras populações em risco são constituídas por militares , cientistas , turistas e ainda múltiplos profissionais que atuam em ambientes inóspitos e gélidos .
A transferência térmica entre o corpo humano e o ambiente que o rodeia é descrita por vários mecanismos físicos tendentes ao equilíbrio de temperatura entre os vários ambientes , habitualmente por transferência de calor do mais “ quente ” para o mais “ frio ”, seja por contacto direto , irradiação infravermelha , movimento de massas fluidas ( convecção ) e ainda , no caso humano , pela sudorese . Deste modo , e a título de exemplo paradoxal , em situação de temperatura ambiente negativa , mas com um dia de sol refletido na superfície da neve , a temperatura corporal pode aumentar por efeito da irradiação do solo para o corpo .
A manutenção da temperatura necessária ao funcionamento
corporal em ambiente frio é assegurada pela deteção da diminuição e pelo desencadear de reações tendentes a reduzir a sua perda e ainda a aumentar a produção de calor .
Os sensores térmicos periféricos são ativados essencialmente pela variação térmica e possuem uma ligação estreita com as vias da dor para extremos de temperatura . Os sensores centrais , no centro termorregulador do hipotálamo , são ativados pelas variações da temperatura central . As vias térmicas são independentes , mas existe integração ao nível cortical , desencadeando sobretudo alterações comportamentais , respostas autonómicas vasculares e metabólicas ao nível do tronco cerebral e ainda reflexos posturais ao nível dos núcleos da base . Estão descritas igualmente respostas locais , periféricas ( vasculares – cutâneas – e metabólicas – tecido adiposo castanho ) através dos receptores alfa-2 adrenérgicos .
A conservação e produção de calor são feitas essencialmente à custa da ineficiência da contração muscular , cujo consumo energético é convertido apenas em cerca de 20-25 % em energia mecânica e o restante dissipado sob a forma de energia térmica ( ativação das fibras musculares através dos recetores beta-adrenérgicos ), do aumento do metabolismo basal ( T4 ), da insulação cutânea e da hemoconcentração , mecanismo este que leva à perda de água por aumento dos fluidos extravasculares e da produção de urina .
A exposição a baixas temperaturas , sem que os mecanismos de adaptação consigam manter a temperatura central acima dos 35 ° C , ou seja uma situação em que o atleta está a perder calor mais
Revista de Medicina Desportiva informa novembro 2020 · 31