Revista de Medicina Desportiva Novembro 2020 Novembro 2020 | Page 14

Termorregulação e impacto no rendimento

Termorregulação e impacto no rendimento

Introdução
Dr . José Pedro Marques Desportiva . Federação Portuguesa de Futebol ; Hospital da Luz-Torres de Lisboa ; SPMD
O ser humano pode , em certa medida , ser visto como um animal tropical . A maioria dos ajustes feitos pelo organismo quando exposto a temperaturas elevadas é fisiológica . Ao invés , uma parte importante da resposta ao stress térmico imposto pelo frio é comportamental ( exemplo : acrescentar camadas de roupa , procurar abrigo ). Tal pode ser explicado pelo facto de a exposição a ambientes frios ser algo relativamente recente na história evolutiva dos hominídeos .
Termorregulação
A temperatura corporal é mantida em intervalos relativamente estreitos por um conjunto de mecanismos homeostáticos e comportamentais . A temperatura basal média é de cerca de 37 ° C , com flutuações circadianas de até 1 ° C . Existem sensores térmicos distribuídos pelo corpo , sobretudo na pele e SNC . Aqueles que veiculam informação sobre a temperatura central são os mais preponderantes na resposta termorreguladora . A melhor forma de aferir a temperatura central é tema polémico na literatura científica . Vários locais são usados para a estimar – membrana timpânica , estômago , reto , esófago e axila . Os mais práticos ( axila , ouvido ) são tendencialmente menos fiáveis , com frequência subestimando a temperatura . Os outros são de difícil aplicação no terreno . O clínico que avalia atletas com hipotermia deve ter estas limitações em mente .
Quando a temperatura ambiente desce abaixo dos 28 ° C , o corpo humano tem de diminuir as perdas de calor e / ou aumentar a sua produção . Este stress térmico desencadeia uma resposta do SN simpático ,
otimizando o isolamento térmico via vasoconstrição do leito cutâneo . Quando esta resposta se revela insuficiente ( ex : temperaturas mais baixas , exposição mais duradoura ) a termogénese é promovida - inicialmente via aumento do metabolismo basal e , eventualmente , através do desencadear das contrações musculares involuntárias típicas dos arrepios de frio . O exercício físico contribui também para um significativo aumento do metabolismo e , consequentemente , da produção de calor .
As perdas de calor são , em grande medida , função do gradiente térmico entre a pele e o meio ambiente . Há , no entanto , outros fatores a considerar nesta equação . No que respeita ao atleta :
• Uma maior percentagem de massa gorda contribui para um isolamento térmico mais eficaz ;
• Uma maior área de superfície corporal indexada ao peso está associada a taxas inferiores de perda de calor ;
• Maior massa muscular ativa traduz-se em maior produção de calor .
Isto explica o risco aumentado de hipotermia em crianças e idosos . As diferenças entre sexos quanto à tolerância ao frio serão mínimas , pois se por um lado as mulheres têm tendencialmente melhor isolamento térmico ( maior percentagem de massa gorda ), por outro os homens têm habitualmente maiores massas musculares ativas .
No que concerne ao ambiente , o vento aumenta significativamente as perdas de calor por convecção . Tal justifica que , para a mesma temperatura , o potencial de arrefecimento do ambiente ( e risco de hipotermia ) seja superior em condições ventosas . A temperatura ambiente e o vento combinam-se para formar o wind chill índex .
No exercício em meio aquático importa referir que a condutividade térmica da água é bastante superior à do ar . Como tal , o corpo humano perde calor quatro vezes mais rapidamente dentro que fora de água . A taxa de perda de calor pode ainda ser acelerada ( via convecção ) pelo movimento da água ao redor do atleta .
Resposta ao exercício no frio
A exposição ao frio aumenta o risco de desidratação . Fá-lo sobretudo por :
• indução da vasoconstrição periférica , que ao condicionar o aumento do fluxo sanguíneo renal provoca a diurese fria ;
• hiperventilação , com aumento das perdas insensíveis ( especialmente se o ar for seco );
• atenuação da sede .
A ingestão de diuréticos ( exemplo : cafeína , bebidas alcoólicas ) antes / durante o exercício e a disponibilidade de água devem ser tidos em conta .
A nível cardíaco , o frio condiciona diminuição da frequência cardíaca , depressão miocárdica e alterações da condutividade elétrica . A função neuromuscular pode ficar comprometida . O frio atrasa a condução dos impulsos nervosos e a transmissão neuromuscular , podendo provocar parestesias , descoordenação motora e alterações cognitivas . As baixas temperaturas associam-se ainda a fraqueza e rigidez muscular , o que releva a importância do aquecimento e alongamentos adequados nestas condições . Os arrepios de frio ( shivering ) podem também comprometer o controlo neuromuscular . Quanto à utilização de substratos energéticos realça-se que , apesar da libertação de catecolaminas promover a mobilização e utilização de ácidos gordos livres , esta resposta é de algum modo atenuada pela vasoconstrição que afeta as reservas periféricas de gordura . Daí resulta um aumento na dependência do glicogénio muscular .
O aumento do metabolismo durante o exercício e o isolamento térmico conferido por vestuário adequado são , na maioria dos atletas e das condições que estes encontram em provas , suficientes para mitigar a diminuição da performance e diminuir o risco de lesões provocadas pelo frio . É nas provas de mais longa duração que tais riscos são mais prementes . A instalação da fadiga diminui a intensidade a que o atleta se consegue exercitar e , por consequência , a produção de calor . A função neuromuscular é afetada quando a temperatura do músculo desce abaixo dos 27 ° C . Tal acarreta a diminuição da eficiência mecânica do movimento e o aumento do custo energético para um esforço
12 novembro 2020 www . revdesportiva . pt