Revista de Medicina Desportiva Março Março | Page 26

Rev . Medicina Desportiva informa , 2022 ; 13 ( 2 ): 24-25 . https :// doi . org / 10.23911 / EAAnabolizante _ 2022 _ mar
A Utilização dos Esteroides Androgénicos Anabolizantes no Desporto e os seus Efeitos Hepatobiliares
EAA . 4 A abordagem dos doentes é geralmente de suporte e tratamento sintomático do prurido com anti-histamínicos . A colestiramina e ácido ursodexócólico podem ser usados para a colestase . 8
Prof . Doutor Jorge A . Ruivo Assistente Hospitalar de Medicina Interna ; Departamento de Medicina Desportiva , Clínica das Conchas ; Docente na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
A utilização ( pontual ou abusiva ) de esteroides androgénicos anabolizantes ( EAA ) pode estar a associada a diversos efeitos secundários adversos , uns reversíveis , outros que poderão condicionar risco significativo para além do período de utilização . 1 As manifestações hepatobiliares incluem-se nas possíveis consequências sistémicas 2 , ainda assim , considerando a utilização sem indicação clínica por milhões de utilizadores , os números de relatos de hepatotoxicidade são bastante baixos . 3
De notar que os dois grupos principais de derivados de testosterona comportam riscos diferentes de hepatotoxicidade . Os EAA C-17-α alquilados , como a metiltestosterona , metandrostenolona , ​oximetolona , ​danazol , epistano , fluoximesterona , estanozolol , noretandrolona e oxandrolona , são administrados oralmente e têm mais efeitos adversos sobre o fígado em comparação com a administração parentérica dos 17-β-hidroxiésteres , como o cipionato , enantato e propionato de testosterona . Os últimos são caracterizados por maior potência e maior duração de ação 4 , contudo , o seu uso prolongado pode induzir mais frequentemente transformação nodular . 4
Os EAA estão implicados em quatro formas distintas de lesão hepática que descreveremos em maior detalhe de seguida :
Elevação transitória sérica das enzimas hepatobiliares
Os EAA poderão condicionar toxicidade hepatobiliar com elevações transitórias enzimáticas relatados geralmente na faixa de duas a três vezes o normal em sujeitos assintomáticos . 5 O mecanismo de hepatotoxicidade ainda não é claro . No entanto , é provável que seja um efeito de stress oxidativo , estando descrito maior hepatotoxicidade dos EAA quando associados a doença hepática pré-existente ou ao uso concomitante de outros fármacos ou substâncias hepatóxicas . 4 Os utilizadores de EAAs têm muitas vezes perturbações psiquiátricas e prevalência de comportamentos aditivos / de risco , como utilização de substâncias psicoativas , suplementos dietéticos ou álcool . 6 Contudo , é de notar que o aumento das transaminases , mais especificamente da AST / TGO , pode ser antes secundário a rabdomiólise consequente a trauma muscular / esforço intenso num contexto de hipertrofia induzido por EAA . Por este facto , é importante rastrear sempre a CK , além da AST , ALT e GGT .
Síndrome colestática aguda
Os esteroides 17-α alquilados têm um metabolismo hepático de primeira passagem reduzido e são reconhecidos por poderem provocar colestase hepática através de efeito tóxico direto . A lesão hepatobiliar só é notada geralmente 1 a 4 meses após início de consumos , mas pode surgir mais tardiamente até aos 24 meses . A colestase associada ao uso de EAA pode ser grave , podendo motivar admissão hospitalar , mas normalmente não se associa com insuficiência hepática fulminante . 7 O seu início é geralmente insidioso e cursa com náuseas , fadiga , prurido seguido de icterícia e colúria . 4 Não é também invulgar assistir-se a lesão hepática mista ( padrão biliohepatocelular ) aquando da combinação de vários agentes não alquilados . 2 A disfunção hepática é usualmente reversível , mas o prurido e icterícia podem prolongar-se no tempo para além da descontinuação dos
Lesão vascular crónica do fígado ( peliose hepática )
A utilização de EAA pode estar associada a peliose hepática , uma patologia rara que cursa com lesões hipervascular com cavidades quísticas hemorrágicos no fígado . 8 Há uma dilatação sinusoidal e perda da normal barreira endotelial focal ou dispersa pelo fígado . Os doentes apresentam-se geralmente assintomáticos , mas pode surgir dor no hipocôndrio direito , hepatomegalia ou , mais raramente , com dor abdominal aguda ou choque hemorrágico por rotura e hemoperitoneu . A não ser que existam complicações , não há tratamento específico , exceto terapêutica de suporte , uma vez que a condição é pelo menos parcialmente reversível após suspensão do uso do esteroide . 9
Tumores hepáticos
Uma das complicações potencialmente graves decorrentes da utilização de EAA é o desenvolvimento de adenomas hepáticos ou carcinoma hepatocelular . O fígado é um órgão hormono-sensível , com recetores de estrogénios e androgénios , pelo que os nódulos benignos e malignos podem aparecer no contexto de uso de EAA .
Este tipo de tumores tipicamente desenvolve-se em pacientes com utilização crónica de esteroides , geralmente prescritos para anemia aplástica ou hipogonadismo , mas podem ser ocasionalmente encontrados em atletas ou bodybuilders que utilizem EAA . 8 a transformação maligna pode ocorrer em 4,5 % a 9 % dos casos ( mais provável em tumores > 5 cm ) e 4,2 % dos adenomas poderão ter focos de carcinoma . 10 O aumento ou recorrência deste tipo de tumores já foi reportado em casos em que a utilização de esteroides foi continuada ou recomeçada . 11
24 março 2022 www . revdesportiva . pt