Revista de Medicina Desportiva Maio | Page 4

Entrevista

Rev . Medicina Desportiva informa , 2022 ; 13 ( 3 ): 2 . https :// doi . org / 10.23911 / Entrevista _ 2022 _ mai
Dr . João Nuno Rossa Medicina Geral e Familiar ; Diretor clínico do Casa Pia Atlético Clube ; Coordenador USF Cynthia – ACES Sintra
É um médico especialista em Medicina Geral e Familiar ( MGF ) com muito interesse na Medicina Desportiva ( MD )
Posso dizer que o desporto me acompanhou durante toda a vida e , mesmo que fisicamente não seja neste momento percetível , fui atleta de andebol e futebol . Enquanto dirigente associativo desempenhei várias funções ligadas ao desporto , muito por culpa da colega Rita Tomás . Iniciei ainda cedo funções no acompanhamento do treino na Escola de Futebol do Sport Lisboa e Benfica e , posteriormente , na área médica . Desde cedo equacionei uma ligação à MD e posso agradecer à Prof . Doutora Maria João Cascais por me ter desafiado logo no Ano Comum a realizar a pós-graduação em MD . Integro muitos conhecimentos da MD na minha consulta , nas diversas valências , como na saúde mental , saúde materna , diabetes e hipertensão . É rara a minha consulta de MGF que não integre os meus conhecimentos de MD . Na brincadeira por vezes costumo dizer que quem não pratica exercício não faz nada na minha consulta e pode trocar de médico .
... significa que MGF aprende com a Medicina Desportiva ?
O Projecto Diabetes em Movimento é um bom exemplo da aprendizagem que a MGF pode ter com a MD . O Walk with the Doc , e suas derivações nomenclativas nos vários pontos do país , é estimulada por colegas com ligação à MD . Vejo a MD como a MGF no sentido da prevenção da lesão , na avaliação individual do atleta / doente . Na maior parte dos casos já chegamos um pouco mais tarde do que é aconselhável , pois estamos já a trabalhar no pós-lesão , no pós- -doença . Mas conseguimos muitas vezes ter sucesso , demora é mais tempo do que o desejável . Como no desporto , na saúde tem de haver compromisso , dedicação e algum espírito de sacrifício . No meu caso , a MD chegou antes da MGF , talvez por aí possa ter aprendido a incluir a MGF na MD e não o contrário .
E o exercício físico como elemento terapêutico ? Costuma aconselhar ? Se sim , de que modo ?
Esse elemento é , na minha opinião , essencial como terapia . Aconselho em todas as consultas . Desafio todos os doentes a descobrirem e partilharem qual o exercício que lhes dá mais prazer . Existe muito o mito do não gosto de fazer exercício , mas se formos esmiuçar essa ideia , acaba por se perceber que associam o exercício físico ao insucesso , porque em jovens havia sempre alguém melhor e mais apto nos desportos coletivos . Esta barreira psicológica é muito frequente e , quando ultrapassada , é uma terapêutica muito útil na saúde mental , na diabetes , na hipertensão . Não quero doentes parados . Quero os doentes ativos e felizes . Se tens um corpo , és um atleta .
A prescrição médica em MGF deve ser cuidada , pois há uma Lista de Substâncias Dopantes ( Lista ). Que conselhos dá aos colegas da MGF neste aspeto ?
Em primeiro lugar , dou o conselho aos meus atletas para avisarem da sua condição de atleta em todas as consultas , que têm de ter muito cuidado e , perante qualquer dúvida , para entrarem em contacto comigo . Infelizmente , já tive de proibir a ingestão de alguns medicamentos e mudar para terapêuticas que não incluíssem medicamentos incluídos na Lista . Ficámos sem uma boa ferramenta , que era o sítio do Jogo Limpo , mas com uma boa pesquisa acedemos rapidamente ao site da ADOP .
Mas também trabalha num desporto profissional ... que diferença nota ?
Este ano , no Casa Pia Atlético Clube , estou a viver uma época de sonho , não só a nível desportivo , mas acima de tudo a nível organizativo . A capacidade do trabalho centrado no atleta , a otimização do rendimento através da avaliação cuidada individual é algo que por norma era muito difícil de alcançar . Todo este trabalho feito nos últimos anos está a dar frutos , com poucas lesões e com rendimento individual e coletivo de excelência . O poder trabalhar com fisioterapeutas , como tenho tido o privilégio , é uma vantagem com que sonho nos Cuidados de Saúde Primários . O Estado pouparia dinheiro se todos os Centros de Saúde tivessem fisioterapeutas que pudessem trabalhar individualmente com os nossos doentes , traria menos absentismo laboral , teria pessoas mais bem- -dispostas , pois a dor não estaria presente no dia a dia .
Quais os elementos mais importantes na prática clínica num clube de futebol profissional ?
A comunicação interpares é fundamental : dentro da equipa médica e entre a equipa médica e a equipa técnica . Se não conseguirmos trabalhar todos em conjunto , fica prejudicado o atleta e fica prejudicada a equipa . As equipas técnicas têm de perceber que o departamento médico não está só lá para tratar lesões , mas também para as prevenir .
O que falta ainda à nossa medicina desportiva ?
Que não olhem para nós como médicos apenas para os atletas de alta competição , mas para toda a população . Felizmente o interesse pela MD tem crescido nos colegas mais novos , o que permite chegar a mais clubes , melhorando o acompanhamento médico . Realce-se a função da Federação Portuguesa de Futebol no processo de certificação de clubes na área da formação , o que origina maior rigor no apoio médico . Os dirigentes desportivos devem perceber que não estamos ali para apenas os exames médico-desportivos , pois a MD é bem mais que isso . Temos a capacidade de acompanhar os atletas de alto rendimento , mas também podemos servir toda a população , para diminuir os custos elevados que a inatividade física acarreta .
2 maio 2022 www . revdesportiva . pt