Revista de Medicina Desportiva Maio | Page 18

Figura 2 – Radiografia ( a ) e cortes de TAC sagital ( b ) e axial ( c ) pré-operatórios : corpos livres indicados pela seta vermelha
tarso , excluindo-se traços de fratura ( figuras 2 a e 2 b ).
Assumiu-se , assim , a presença de corpos livres e sinovite como causas de dor , propôs-se excisão por artrotomia com eventual reconstrução ligamentar caso se verificasse instabilidade . Foi efetuada a excisão simples e sinovectomia em Março de 2020 . No pós-operatório fez carga com canadianas conforme tolerado , passando para carga total e marcha independente às quatro semanas pós-operatório . Regressou aos treinos de forma condicionada aos três meses . Teve Alta da consulta aos cinco meses , praticamente assintomático com TC de controlo , em que se confirmou a excisão completa dos corpos livres ( figura 3 ). Voltou a competir logo que as restrições decorrentes da pandemia COVID 19 o permitiram , sete meses após a cirurgia , obtendo excelentes resultados . Atualmente , um ano e sete meses após a cirurgia , continua com um grau de satisfação elevado , sagrando-se campeão nacional na sua categoria predileta .
Discussão
Muitos autores defendem que a designação síndrome do seio do tarso deve ser abandonada e substituída por diagnósticos mais precisos . 7 , 17 Existe uma tendência crescente para o uso da artroscopia como método diagnóstico . No entanto , em alguns casos , nem a artroscopia , nem os outros métodos complementares de
Figura 3 – Cortes de TAC sagital ( a ) e axial ( b ) cinco meses após a cirurgia , já sem corpos livres
diagnóstico são esclarecedores para o diagnóstico da causa subjacente . 3 , 7 Mesmo combinados , a avaliação por artroscopia e RMN só encontraram concordância plena em 10 % dos casos e concordância parcial em 50 % dos casos . 3 , 8
Por outro lado , existem frequentemente lesões ou alterações concorrentes de várias estruturas . 3 , 7-10 A alta densidade de nocicetores e propriocetores no seio do tarso 5 , 18 torna esta região muito suscetível a patologias combinadas que provocam dor e instabilidade . Não se definindo com exatidão a lesão ou lesões especificas que causam os sinais e sintomas , é legitimo , na opinião dos autores , a manutenção da designação síndrome do seio do tarso . Tal não obsta a que não sejam exaustivamente apuradas todas as lesões ou alterações suscetíveis de provocar o quadro clínico para orientar a terapêutica de forma eficaz .
No presente caso existiam corpos livres no interior do seio do tarso e sinovite , com integridade ligamentar . Tais corpos livres podiam decorrer duma fratura antiga da apófise anterior do calcâneo 19 ou de um os calcaneus secundarius sintomático , bipartido , fraturado ou em pseudartrose . 20 Independentemente da sua origem , estes corpos livres pareceram inequivocamente ser a causa das alterações inflamatórias e dor . Existia , ainda , o antecedente de traumatismo em inversão , o que poderia justificar estas alterações e é comum à maioria dos doentes
2 , 21 , 22 com síndrome do seio do tarso .
A irradiação da dor para d4 , que desapareceu no pós-operatório , pode ter significado o envolvimento do nervo cutâneo dorso-lateral , que faz parte do conteúdo do seio do tarso 23 e que é um ramo do peroneal superficial , que enerva esta região .
Alguns estudos sugerem mesmo que lesões isoladas do LITC e LC são raras , ocorrendo antes como uma progressão de lesões prévias do ligamento peroneoastragalino anterior e / ou peroneocalcaneano da articulação tibiotársica . 3 , 24 Parece lícito concluir que , pelo menos numa larga maioria dos casos , é necessária uma lesão prévia ou instabilidade crónica do tornozelo para existir lesão ligamentar no seio do tarso e instabilidade da articulação subtalar . No presente caso , a lesão ligamentar prévia da tibiotársica muito provavelmente existiu , mas não se verificavam atualmente critérios de instabilidade crónica do tornozelo .
O tratamento da síndrome do seio do tarso , inicialmente conservador e posteriormente cirúrgico , deve ser sempre dirigido à causa . Na presença de lesões combinadas , como na instabilidade crónica do tornozelo concomitante , estas têm de ser igualmente tratadas , seja de forma conservadora ou cirúrgica ( reparações ligamentares , ligamentoplastias ou tratamento de lesões osteocondrais ). 16 A artrodese subtalar é uma opção se a instabilidade e as alterações degenerativas o justificarem 2 , 15 , bem como a desenervação seletiva nos casos refractários . 5 , 15
No caso em apreço , após vários anos de evolução e falência do tratamento conservador , foi identificada a presença de corpos livres no seio do tarso e sinovite , procedendo-se à artrotomia por via aberta minimamente invasiva . O resultado clínico e imagiológico foi bom , com elevado grau de satisfação do paciente , refletindo-se nos seus excelentes resultados desportivos .
Os resultados da artroscopia e da artrotomia com excisão completa do conteúdo lateral do seio do tarso são similares 2 , 3 , 22 , o que sugere que os benefícios com os desbridamentos por ambas as vias podem decorrer da excisão dos nociceptores e propriocetores da sinovial e tecido adiposo do seio do tarso . 3 Neste caso , a cirurgia aberta foi a opção escolhida pela
16 maio 2022 www . revdesportiva . pt