Revista de Medicina Desportiva Julho 2020 - Page 5
Sports and exercise genomics: the
FIMS 2019 consensus statement
update 1
Dr. Artur Rocha a)
Cirurgião Geral. Unidade
de Cirurgia Endócrina.
Pós-graduação Medicina
Desportiva FMUP.
Resumo e Comentário
Hospital São Bernardo – Setúbal
A possibilidade de
estudar a sequência
do ADN permite
conhecer os genes dos
cromossomas (genomas)
depois relacioná-
-los com as características físicas e
fisiológicas, mas também permitir
a manipulação do genoma humano
já na atualidade, mas certamente
muito ativa no futuro próximo. O
desporto e a medicina desportiva
não ficam indiferentes ao seu progresso
e à dualidade entre os seus
benefícios e potenciais perigos. O
consenso da International Federation of
Sports Medicine (FIMS) procura definir
o que é desejável e imprescindível
para a investigação e aplicação destes
conhecimentos ao nível do desporto,
procurando prever e preparar
o futuro, garantindo assim a saúde
do atleta, impedindo modificações
genéticas e a dopagem genética, preservando
a justiça e a transparência
desportivas.
A pertinência deste consenso
prende-se com a constatação dos
avanços na sequenciação do DNA do
genoma humano, a sua análise com
técnicas de machine learning, manipulação
e terapia génica, procurando
definir e restringir a sua aplicabilidade
no desporto. Refere-se no texto
que as “tecnologias de sequenciação
do DNA são capazes de gerar dados
Rev. Medicina Desportiva informa, 2020; 11(4):3-6
https://doi.org/10.23911/FMUP_2020_julho
a uma taxa muito mais rápida do
que a capacidade de interpretar e
de explorar adequadamente esses
dados” e, por outro lado, os autores
referem que a maioria das empresas
emergentes, classificadas como
“empresas de teste genético direto ao
consumidor”, propõem mais promessas
e expetativas do que propriamente
informações baseadas em evidências
científicas. Referem, assim, a
necessidade da regulação para proteção
contra aquilo a que chamam de
poluição genética do genoma humano,
referindo-se ao “processo de introdução
intencional, descontrolada e potencialmente
ilegal de material genético
para a população ... com o objetivo
de aumentar a adequação de uma
população ou subamostra de uma
população”. Na leitura do texto nota-
-se a preocupação do uso indevido
desta tecnologia emergente, com
ameaças da “saúde e do bem-estar
dos atletas e da população geral em
todo o Mundo” para além da “invasão
da privacidade e do uso indevido da
informação contida no seu genoma”.
A criação de biobancos em grande
escala e a possibilidade da análise
do material genético e o conhecimento
obtido levantam questões
sobre o anonimato da informação e
das amostras colhidas, sobre a quem
pertence informação, quem a pode
utilizar e para que fins.
Apesar das preocupações relacionadas
com a segurança, a investigação
tem evoluído e produzido resultados
muito úteis para a medicina.
Por exemplo, a tecnologia de edição
genética, como a CRISPR/Cas 2 , apresenta-se
já de utilidade terapêutica em
doenças monogénicas, como anemia
de células falciformes, doença de
Huntington, distrofia de Duchenne e
a fibrose quística.
O uso adequado e bem orientado
do estudo do genoma terá muita utilidade
para a medicina desportiva. O
conhecimento de genes relacionados
com a prática do exercício físico
poderá ser um instrumento útil
para o treino específico e individual,
dando oportunidade à manifestação
das potencialidades daquela pessoa,
orientando-a para o desporto geneticamente
mais adaptado e orientado
para a descoberta de atletas de elite,
mas, alertam, o rendimento atlético
está na dependência de vários genes
(poligénico), pelo que extra cautela
deve ser garantida na utilização
desta ferramenta. Contudo, e como
referido pelos autores, a prática
desportiva, com contexto ético atual,
deve ser orientada de acordo com
o gosto individual, conceito difícil
de conciliar com o desporto de alto
rendimento.
Tem sido referida importância dos
fatores genéticos para a suscetibilidade
de lesões musculoesqueléticas,
pelo que “a identificação dos locos
genéticos relacionados a lesões
musculoesqueléticas podem fornecer
as informações necessárias para
otimizar a carga de treino (volume
e intensidade)”. Também para a
prevenção da morte súbita por
causa cardíaca o estudo do genoma
revela-se importante, especialmente
nos casos onde a distinção entre o
coração patológico e o decorrente
da adaptação ao esforço físico é
difícil de decidir. De acordo com
os autores, a “maioria dos casos de
cardiomiopatia e canalopatia herdadas
são monogênicas”, pelo que o
teste genético se apresenta como
uma estratégia de grande importância
na avaliação aquando do
exame médico-desportivo perante
a “imagem cardíaca inconclusiva e
em atletas com história familiar de
doença cardíaca hereditária”.
Na perspetiva do estudo do rendimento
ao nível genético refira-se
o Consórcio Athlome que tem o
objetivo de estudar a informação
genotípica e fenotípica de atletas de
elite na adaptação ao treino. Tem
em curso o 1000 Athlomes Project, o
qual tem por objetivo estudar 1000
genomas de velocistas e corredores
de fundo do atletismo, havendo já
72 atletas etíopes e quenianos de
classe mundial com a estrutura
genética sequenciada, tendo esta
sido comparada com a população
em geral não atlética. Para além de
ferramenta de deteção de talentos,
este conhecimento permitirá orientar
melhor o treino, o que leva os
autores a referirem que são cada vez
mais usadas as expressões “resposta
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