Revista de Medicina Desportiva Julho 2020 - Page 4
Rev. Medicina Desportiva informa, 2020; 11(4):2. https://doi.org/10.23911/entrevista_2020_julho
Entrevista
Dr. Rui Escaleira
Cirurgião Geral. Pós-graduado em Medicina
Desportiva. Diretor Clínico do Departamento
Médico para o Alto Rendimento (DMAR) da
Federação Portuguesa de Natação. Viana do
Castelo
Embora seja um cirurgião
geral, há muitos anos que
se interessa pela Medicina
Desportiva ...
O meu interesse pela fisiologia do
exercício e metabolismo nasceram
durante os meus primeiros
anos de adolescência em que me
tornei atleta da área do fitness.
A procura, inicialmente com
objetivos exclusivamente pessoais,
das melhores estratégias ergogénicas
(relacionadas com a nutrição e o exercício)
acabou por me conduzir irreversivelmente
para o mundo da Medicina
Desportiva. Esta paixão constituiu
o fio condutor para o ingresso na
licenciatura em Medicina. No Hospital
de Santo António apaixonei-me pela
Cirurgia Geral (com esta não contava
eu!) e passei desde então a conviver
“apaixonadamente” com estas duas
áreas profissionais.
Atualmente é o responsável
clínico da Federação Portuguesa
de Natação. Quais as funções que
exerce?
Desde 2015 (data da sua criação) que
exerço funções como Diretor Clínico
do DMAR. Os princípios orientadores
da minha atividade baseiam-se
no conceito de que a intervenção
médica no alto rendimento não se
esgota na prevenção e no tratamento
das lesões e/ou dos estados patológicos
agudos associados ao exercício
físico. A promoção da performance,
da recuperação ativa e a prevenção
de estados subagudos de fadiga
não adaptativa, como o overreaching
não funcional e o overtraining, devem
fazer parte de qualquer estratégia
integrada de gestão competitiva. Em
termos práticos, a minha atividade
resume-se à avaliação e intervenção
contínua sobre o estado geral
de saúde e nutricional dos atletas
abrangidos pelo Plano para o Alto
Rendimento, participando também
ativamente no processo de controlo
do treino, integrado na atividade do
Gabinete de Controlo e Avaliação do
Treino e Competição (GACO).
O controlo do treino é sem
dúvida uma das atividades mais
importantes, não é?
Claro que sim. A avaliação contínua
do impacto fisiológico do treino no
estado geral de saúde, nutricional
e hormonal dos atletas deve fazer
parte do modelo de atuação médica.
Faz parte da minha atividade a
monitorização ativa dos indicadores
subjetivos e objetivos de fadiga, da
evolução da performance e a promoção,
junto dos atletas e treinadores,
de um modelo de comunicação centrado
na maximização do processo
adaptativo ao treino. Na FPN este trabalho
em equipa foi sempre o nosso
objetivo, tem sido cumprido e é por
isso um dos nossos “pontos fortes”.
Sabemos que trabalha muito com
o controlo do treino com o ácido
lático ...
A avaliação da relação entre a variação
da lactatémia e da frequência
cardíaca com a intensidade e duração
das tarefas específicas na água,
integradas com a perceção subjetiva
do esforço e com o background fisiológico
do atleta, é efetuada sistematicamente
em momentos-chave dos
ciclos preparatórios. Tem sido uma
mais-valia no controlo e prescrição
do treino em geral, na avaliação da
resposta metabólica à suplementação
e na gestão de expetativas relativamente
à progressão na performance e
dos resultados competitivos quando
os testes são efetuados nos estágios
pré-competitivos.
A alimentação é importante, mas
certamente que prescreve alguns
suplementos alimentares ...
Faz parte do meu plano estratégico
a prescrição dos agentes ergogénicos
permitidos pela WADA mais indicados
à fase da época competitiva, às características
fisiológicas, comportamento
nutricional e antropometria dos atletas.
Os resultados têm sido positivos.
A atual contingência do COVID-19
afetou a preparação dos nadadores.
Como contornaram ou se adaptaram
para manter os atletas ativos?
O impacto do lockdown nos nadadores
do alto rendimento foi heterogéneo
e dependeu fortemente do modelo
de gestão das piscinas de cada clube.
Houve alguns atletas que mantiveram
a atividade aquática na íntegra,
mas a maioria efetuou exercício físico
exclusivamente em regime de dryland
sob confinamento. Na FPN tivemos
a preocupação em manter os atletas
adequadamente ativos e, por conseguinte,
foi publicado no site da FPN
um documento intitulado Plano de
Manutenção das Qualidades Físicas destinado
aos nadadores integrados no
Plano para o Alto Rendimento (PAR) e
que serviu de exemplo para todos os
praticantes.
Na natação, está a trabalhar
em algum projeto específico de
preparação para evento futuro?
Vários no âmbito da natação pura…
Tokyo 2021 (Olímpicos e Paralímpicos),
Esperanças Olímpicas e atletas
incluídos no PAR, especificamente os
da Seleção Nacional e os dos Centros
de Alto Rendimento.
O que gostaria que acontecesse na
Medicina Desportiva?
Gostaria que a Medicina Desportiva
ultrapassasse a fronteira da traumatologia
desportiva, se generalizasse
no alto rendimento e se expandisse
para a saúde comunitária, com a
implementação progressiva de programas
de exercício clínico. A tutela
tem demonstrado motivação e interesse,
mas o caminho a percorrer
ainda é longo…
2 julho 2020 www.revdesportiva.pt