Revista de Medicina Desportiva Julho 2020 - Page 31
Antes de mais, convém notar
que a investigação centrada nas
estratégias alimentares para alívio
do impacto do calor nos processos
de termorregulação e inflamação
associados ao exercício é limitada.
Ainda assim, algumas substâncias
apresentam resultados promissores
e podem ser incluídas nas
estratégias alimentares para quem
se exercita no calor. É o caso da
vitamina C (ácido ascórbico), um
composto com propriedades antioxidantes,
cuja suplementação pode
contribuir para a preservação da
integridade da membrana luminal.
A suplementação com 1000 mg de
ácido ascórbico demonstrou uma
redução significativa da concentração
de LPS após o exercício 2 e
constitui uma forma simples de
minimizar o impacto do exercício
em tempo quente. Também o uso
de probióticos (nomeadamente,
misturas de estirpes Lactobacillus,
Bifidobacterium e Streptococcus)
mostrou redução nos valores de
LPS após exercício realizado em
ambiente quente (35-40ºC). 3 O
efeito observado deve-se à redução
da permeabilidade gastrointestinal,
mas, mesmo sendo necessários
mais trabalhos para perceber
a dose ótima e mix de estirpes,
a toma destes produtos parece
vantajosa. É sabido que o calor
aumenta a utilização de glicogénio
muscular 4 , pelo que a ingestão de
HC é uma das estratégias normalmente
utilizadas. De facto, quando
comparada com a ingestão de
apenas água, a ingestão regular de
glucose antes e durante exercício
realizado no calor atenua as lesões
no epitélio intestinal, reduz a permeabilidade
intestinal e melhora as
respostas dos anticorpos anti-endotoxinas
5 . Assim, adicionar 15 g de
glucose à garrafa de água que se
leva durante o treino (ou escolher
uma bebida com esta quantidade
de açúcar) é uma estratégia simples,
que pode aumentar a tolerância
ao esforço em tempo quente. Já
a eficácia da adição de proteínas
parece depender da digestibilidade
das mesmas, uma vez que existe
alguma disparidade de resultados,
conforme a proteína/aminoácidos
utilizados.
Por fim, uma nota para o uso
de substâncias como a cafeína,
creatina e glicerol. No que respeita
à cafeína, o seu uso em quantidades
moderadas (até 400mg, o equivalente
a cerca de 4 chávenas de café
expresso) não promove a desidratação
e, em utilizadores habituados,
retarda a fadiga, não havendo por
isso contraindicação à sua utilização,
mesmo em tempo quente. 6 Em
relação à suplementação com creatina,
não existe evidência quanto
a efeitos negativos na tolerância
ao calor e estado de hidratação 7 ,
havendo mesmo diversos trabalhos
que mostram melhorias na
termorregulação, taxa de sudação
e manutenção do hematócrito. A
análise ao glicerol, muito usado
em estratégias de hiperidratação
(adição de glicerol à água), revela
resultados díspares quando se
trata de exercício em temperaturas
mais altas. Mas poderá ser útil
em situações de exercício de alta
intensidade ao calor ou quando haja
limitação no acesso a fluídos (por
exemplo, ultramaratonas) 8 – 0,125 g
de glicerol por kg de peso corporal
num volume equivalente a 5 mL/kg
de peso corporal.
Em suma, a prática de exercício
ou a realização de atividade física
em clima quente pode beneficiar de
alguns cuidados alimentares que
diminuam o desconforto gastrointestinal
e promovam um bom estado
de hidratação. A escolha de entre
as estratégias acima mencionadas
depende da tolerância individual
e da possibilidade de aplicação de
cada uma delas.
Bibliografia
1. Pyne D.B., Guy J.H., Edwards A.M. Managing
heat and immune stress in athletes with
evidence-based strategies. Int. J. Sports Physiol.
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8. Lopez R.M., Casa D.J. The influence of nutritional
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and hydration status. Curr. Sports Med. Rep.
2009.
Caminhar mais
Dr. Basil Ribeiro
Medicina Desportiva. Al Nassr Club,
Riade, KSA
Em 2019 foi publicada a 2ª edição
The Physical Activity Guidelines for
Americans, a qual constitui um
instrumento importante para os profissionais
de saúde. Na Introdução
refere-se que metade dos cidadãos
americanos sofrem de uma ou mais
doenças crónicas preveníveis e, destas,
sete em dez das mais frequentes
são positivamente influenciadas
pela prática de exercício físico (EF).
Ainda, a falta de EF adequado (80%
dos americanos) implica um custo
de cerca de 117 biliões de US dólares
e 10% de mortalidade prematura.
Estas Diretrizes indicam depois o
tratamento. A prescrição é simples e
de fácil implementação (transcrição):
1. Os adultos devem mover-se mais e
sentarem-se menos;
2. Para a obtenção de benefícios
substanciais para a saúde, os
adultos devem obter entre 150 e
300 minutos / semana de EF de
intensidade moderada ou entre
75 e 150 minutos de intensidade
elevada ou uma combinação entre
as duas intensidades de EF, de
preferência aeróbio.
De acordo com as Diretrizes, se o
programa for cumprido com regularidade,
os benefícios para a saúde
são muitos: “diminuição da mortalidade
por todas as causas, da doença
coronária cardíaca, AVC, hipertensão
Revista de Medicina Desportiva informa julho 2020· 29