Revista de Medicina Desportiva Julho 2020 - Page 17
A variação no perfil hormonal
entre diferentes formulações de
COC deve ser tida em consideração
nas atletas, uma vez que a potência
progestativa e o efeito androgénico
podem influenciar o desempenho.
O efeito androgénico é determinado
pela capacidade de ligação aos recetores
de androgénios.
Os COC levam a redução dos
níveis de androgénios, especialmente
testosterona (T), inibindo a
síntese ovárica e adrenal e elevando
o valor da sex hormone-binding globulin
(SHBG). Os COC levam a diminuição
da concentração de T total e livre e
aumento da SHBG. A dose de estrogénio
e o tipo de progestagénio do
COC não influenciam a diminuição
de T livre e total, mas ambos influenciam
o efeito na SHBG. O componente
estrogénico induz a produção
hepática de SHGB, a qual se liga à T
livre. Este aumento da SHGB induzido
pelo EE pode ser contrariado
pelo componente progestativo do
COC, dependendo da sua androgenicidade.
Os COC com progestativo
com atividade androgénica (ex: levonorgestrel)
levam a aumento menos
pronunciado da SHBG, enquanto que
COC com progestativo com atividade
anti-androgénica (ex: acetato de
ciproterona) levam a aumento mais
marcado da SHBG.
A diminuição androgénica traz
algumas implicações clínicas na
mulher, nomeadamente: diminuição
do bem-estar e da qualidade de vida,
alterações de humor (depressão, irritabilidade),
diminuição da energia,
alterações cognitivas, diminuição da
líbido e da função sexual, perda de
massa muscular e força e diminuição
da densidade óssea. 7
Os COC com progestativo de 2ª
geração associados a EE de baixa
dose (20-25mg) são os que apresentam
o menor efeito a nível do
aumento da SHBG. Aqueles com progestativos
de 3ª geração associados a
doses mais altas de EE (30-35mg) são
os que têm maior efeito a nível do
aumento da SHBG. 8 A T tem também
impacto a nível da força muscular e
da densidade óssea, pelo que os COC
podem ter algum impacto negativo
na síntese proteica e no aumento
de massa muscular, no entanto os
estudos são ainda escassos. 9,10
Massa e força muscular
Os CH podem influenciar indiretamente
o metabolismo muscular,
alterando a concentração de hormonas
anabólicas: testosterona, hormona
de crescimento (GH) e insulin-
-like growth factor 1 (IGF-1).
Os estrogénios levam a diminuição
da concentração plasmática de
hormonas androgénicas, podendo
influenciar o desempenho na
mulher atleta, não só no ganho de
massa, como também a nível de
força muscular, uma vez que ambas
as hormonas têm ação não genômica
sobre o músculo esquelético,
aumentando as concentrações de
cálcio intracelular e influenciando
as propriedades contráteis do músculo.
No entanto, a diferença não foi
significativa em atletas. 11 Por outro
lado, o estrogénio pode ter um efeito
positivo a nível da força muscular,
explicando a perda de força muscular
observada na menopausa, a qual
reverte com terapêutica hormonal
de substituição (THS).
Flutuações a nível da força muscular
foram observadas durante
o ciclo menstrual, aumentando
durante a fase folicular pela ação
do estrogénio e diminuindo na fase
lútea pela ação da progesterona, a
qual leva a aumento da temperatura
do músculo. O uso de COC pode
associar-se à diminuição desta flutuação
na força muscular. 2 Poucos
estudos mostram qual o efeito das
hormonas reprodutivas na produção
de força muscular esquelética. 3
Temperatura
O aumento da progesterona na fase
lútea está associado a aumento da
temperatura central na mulher,
com diferenças até 0,6°C, tanto em
repouso, como durante o exercício
em temperatura ambiente. Este
incremento da temperatura central
pode colocar a mulher em risco de
insolação/hipertermia, nomeadamente
com realização de exercício
físico em ambientes quentes. No
entanto, estudos referem que a
fase do ciclo menstrual aparentemente
não altera a frequência
cardíaca, o VO 2
max, a concentração
de lactato no sangue ou o desempenho
no exercício, referindo que o
desempenho não é afetado durante
a competição em condições normais
ou ambientes quentes. 12
Metabolismo
O estrogénio endógeno está associado
a aumento da oxidação
lipídica e reduzida utilização de
hidratos de carbono (HC) durante o
exercício, por alterações na secreção
de GH, insulina e glucagina.
A progesterona opõe-se ao efeito
lipolítico do estrogénio. 13 Os COC
também parecem alterar em parte
o metabolismo dos lípidos, HC, e a
sensibilidade à insulina, no entanto
os estudos existentes não são
unanimes. Em relação ao substrato
energético utilizado durante o
exercício máximo em utilizadoras
de COC, os lípidos foram o substrato
mais utilizado. Apesar dos resultados
apontarem para um efeito
Compreender o ciclo reprodutivo
na mulher
O ciclo reprodutivo na mulher é
gerido pela comunicação hormonal
entre a hipófise (produz FSH
e LH) e os órgãos reprodutores.
Estas hormonas sinalizam o ovário
a amadurecer e libertar um
óvulo a cada ciclo. De maneira
coordenada, o ovário produz
estrogénio (antes da ovulação)
e progesterona (maioritariamente
após a ovulação), as quais
influenciam toda a atividade do
sistema reprodutivo, bem como a
saúde geral.
O ciclo menstrual tem uma
duração entre 24-36 dias. Este
pode dividir-se em duas fases,
a fase folicular, caracterizada
pela maturação do folículo pela
ação da FSH, levando a produção
de estrogénios pelo ovário, que
finaliza na ovulação; e a fase
luteínica, marcada por um acréscimo
de aproximadamente 0,3ºC
na temperatura basal devido ao
aumento da produção de progesterona
pelo corpo lúteo. Esta
finaliza com o início da menstruação,
altura em que há uma
queda acentuada dos estrogénios
e progesterona.
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