Revista de Medicina Desportiva Janeiro 2022 | Page 5

Rev . Medicina Desportiva informa , 2022 ; 13 ( 1 ): 3-5 . https :// doi . org / 10.23911 / FMUP _ 2022 _ jan
Dr . Pedro Batista 1 , Dra . Sara Tainha 2 Internos de Medicina Geral e Familiar . 1 USF São Filipe , ACeS Arrábida ; 2 USF São Domingos , ACeS Lezíria . ARS Lisboa e Vale do Tejo .
Resumo / comentário
Clinical practice guidelines for exertional rhabdomyolysis : a military medicine perspective 1
Em 2020 foram atualizadas as guidelines de diagnóstico e abordagem da rabdomiólise associada ao exercício ( RAE ). Os autores pretenderam com este artigo abordar questões clínicas relacionadas com o tema , aplicando- -as à comunidade da medicina desportiva .
Os autores começam por caracterizar a RAE como uma condição rara , observada em atletas e militares e que nos casos mais graves pode colocar o indivíduo em risco de vida . É caracterizada pela destruição muscular patológica resultante de exercício físico , manifestando-se através de sintomas musculares ( dor , rigidez ou fraqueza ) e evidência laboratorial de mionecrose no contexto de atividades que envolvem sobrecarga muscular intensa , prolongada , repetitiva , associada a recuperação inadequada . Esta sobrecarga aguda e cumulativa resulta em hipóxia tecidual , dependência de glicólise anaeróbia , aumento do cálcio intracelular , acidose metabólica , permeabilidade do sarcolema e morte de miócitos .
Quando ocorre morte de miócitos são libertadas diversas substâncias para a corrente sanguínea – aldolase , mioglobina , CK , LDH e aspartato transaminase . Apesar da mioglobina ser a única 100 % específica para o
músculo , não é o biomarcador ideal , visto que o seu pico sérico é precoce , e normaliza frequentemente antes da avaliação do atleta em meio hospitalar . A maioria dos doentes com RAE só recorre aos serviços de saúde 24 a 72 horas após a atividade física responsável pelo quadro . A CK é considerada gold-standard para o diagnóstico de RAE , pois o seu pico sérico ocorre 24 a 48 horas após o exercício . O valor de CK aceite para o diagnóstico de RAE é CK ≥ 5x o limite superior do normal . Este diagnóstico só pode ser estabelecido quando existe clínica sugestiva associada ao aumento de CK sérica .
Estão descritos vários fatores extrínsecos e intrínsecos que aumentam o risco de RAE . Os extrínsecos incluem medicação ( estatinas , anti-histamínicos , antipsicóticos , álcool , anfetaminas , cafeína e outros estimulantes ), ambientes extremos ( temperatura , altitude , humidade ), e treino excessivo ( muitas vezes associado a uma cultura desportiva demasiadamente focada em resultados ). Os intrínsecos incluem condições médicas , tais como infeção , desidratação , hipo / hipertermia , síndromes genéticos , metabólicos , doenças autoimunes , traço falciforme e condicionamento físico desadequado .
Os efeitos deletérios da RAE são de gravidade variável , podendo esta ser fatal nos casos mais graves , quando associada a síndrome do compartimento , lesão renal aguda por necrose tubular , coagulação intravascular disseminada e arritmias cardíacas . Quanto à sua abordagem , os autores referem que a decisão de internar um doente com RAE deve ser individualizada e baseada na presença de fatores que aumentam o risco de complicações . Na ausência de fatores de risco , a RAE pode ser tratada em ambulatório , recorrendo a estratégias de hidratação oral . Doentes que apresentem lesão renal aguda ( LRA ), hipocalcémia ou hipofosfatémia , assim como os portadores de traço de anemia falciforme , devem ser tratados em regime de internamento , dado o risco acrescido de complicações .
A abordagem inicial do doente com RAE tem como principais objetivos a prevenção da LRA e a deteção precoce de situações de síndrome do compartimento , acidose metabólica e outros distúrbios eletrolíticos . A fluidoterapia é utilizada para renoproteção ao manter o débito urinário , diminuindo assim os efeitos nefrotóxicos da mioglobina . Segundo os autores do artigo , não existe evidência robusta sobre o tipo de fluídos a utilizar e a sua taxa de infusão .
Na monitorização dos doentes com RAE , os níveis de CK devem ser reavaliados a cada 12 horas , devendo esse intervalo ser encurtado caso ocorram complicações . No pico de CK , a dor pode atingir o seu nível máximo , pelo que a dor deve ser avaliada com frequência . Para controlo álgico deve ser privilegiado o uso de paracetamol , dado o potencial nefrotóxico dos AINEs .
A síndrome do compartimento é uma complicação pouco frequente na RAE , mas os autores reforçam a importância da vigilância diária dos níveis de dor , dos pulsos e reavaliação do exame neurológico para a sua deteção precoce .
Os autores defendem que doentes com melhoria clínica que apresentem resultados de CK em cinética descendente e parâmetros renais adequados podem ser considerados para Alta . Caso apresentem valores de CK elevados ( CK > 5000U / L ) podem também ter Alta , cumprindo , no entanto , medidas de hidratação e com reavaliação programada após 48 a 72 horas para novo doseamento de CK .
A maioria dos atletas recupera sem nenhuma sequela a longo prazo , não parecendo existir na maioria dos casos risco aumentado de recorrência de RAE , a menos que existam fatores intrínsecos que aumentem esse risco . Nestes casos deve ser feita uma avaliação adicional prévia ao retorno da atividade , que pode incluir eletromiografia ( EMG ), biópsia muscular , teste de contratura muscular com cafeína e halotano , testes genómicos ou testes de exercício . A biópsia muscular e a EMG devem ser realizadas apenas seis semanas após a rabdomiólise .
De acordo com os autores , as miopatias metabólicas são raras , mas devem ser colocadas como hipótese diagnóstica quando existe colúria ,
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