Revista de Medicina Desportiva Janeiro 2022 | Page 24

com um coorte de 899 atletas , estabeleceu diferentes padrões de localização de lesões entre Avançados e Três-Quartos . Os primeiros apresentaram mais lesões a nível dos ombros , joelhos e tornozelos ou pés , enquanto os últimos tinham mais incidência de roturas dos músculos isquiotibiais , não se tendo encontrado diferenças no período total de ausência desportiva devido a lesão . 28 Esse mesmo estudo conseguiu ainda estabelecer diferenças relativas entre cada uma das quinze diferentes posições , referindo-se algumas : jogadores da primeira-linha ( n º 1 , 2 e 3 ) tiveram maiores períodos de paragem devido a lesões da coluna cervical ( mais frequentemente hérnias discais , fraturas e luxações ), causadas pela pressão a que são sujeitos nas Formações Ordenadas ( figura 1-C ) e devido às placagens ( figura 1-B ); os da segunda-linha ( n º 4 e 5 ) sofreram relativamente mais de lesões nos tornozelos ( entorses , fraturas e luxações ) em contexto de quedas durante o Alinhamento ( figura 1-E ); o n º 6 , abertura ( n º 10 ) e os pontas ( n º 11 e 14 ) tiveram mais lesões nas coxas ( nomeadamente hematoma e roturas dos músculos isquiotibiais ), sobretudo por fazerem um maior número de sprints .
Quanto ao período de jogo , as lesões ocorrem menos no primeiro quarto , sendo que as diferenças de incidências nos outros quartos são menos claras . 13 No entanto , existe um ligeiro aumento no terceiro quarto ( logo após o intervalo ). Insuficientes programas de reaquecimento após o intervalo e a redução da concentração mental poderão ser fatores implicados nesta tendência . 29
Analisando outra variante do jogo , o rugby Sevens ( desporto Olímpico desde 2016 e em crescente expansão ), apresenta , segundo uma revisão sistemática , uma incidência de lesões superior à variante tradicional com 15 jogadores ( 102 a 120 lesões por 1000 HJJ ) para o mesmo nível competitivo . 30 , 31 Além disso , as lesões são mais graves , possivelmente devido ao facto de os Sevens serem jogadores com maior velocidade ( e , consequentemente , com maior transferência de energia nas placagens ), haver mais sprints e mais mudanças de direção . Em Portugal , dois recentes estudos prospetivos , que seguiram coortes de atletas das equipas do circuito nacional e universitário de râguebi Sevens , identificaram incidências de lesões também bastante elevadas ( 134 lesões no circuito nacional e 186 lesões no universitário , por 1000 HJJ ) semelhante à reportada a nível internacional para a mesma variante , apesar da
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severidade média ter sido menor . Os tipos de lesão , os eventos e as localizações foram semelhantes às identificadas na literatura internacional . Num dos estudos foi ainda encontrada uma relação inversa entre o número de horas de treino e a gravidade da lesão . 32 A lesão que atualmente mais discussão tem originado na comunidade rugbística é a concussão cerebral , devido à potencial relação de causalidade com sequelas a longo prazo , como a encefalopatia crónica traumática e deterioração da função cognitiva precoce . 34 , 35 Nas competições de elite do râguebi , um estudo prospetivo recente descreveu uma incidência de concussões de 8.3 / 1000 HJJ no râguebi Sevens e 4.5 / 1000 HJJ no râguebi tradicional de quinze . 36 O tempo de afastamento da competição também foi superior no primeiro ( média de 19 vs 10 dias , respetivamente ). Qualquer uma das variantes tem incidência de concussões inferior à reportada no futebol americano ( 18.2 / 1000 HJJ ), mas superior a outros desportos coletivos de contacto como , por exemplo , hóquei no gelo ( 1.8 / 1000 HJJ ). Apesar da investigação nesta área ter crescido nos últimos anos , a evidência de que antigos jogadores de râguebi expostos a concussões cerebrais repetidas tenham propensão a quadros demenciais precoces é
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atualmente limitada .
No râguebi não existe equipamento de proteção que seja obrigatório , é apenas aconselhada a utilização de proteção dentária . Não é permitido nenhum material de plástico ou metal . Alguns jogadores usam proteções feitas de almofada fina , como capacetes ou ombreiras . No entanto , a evidência de que estes previnam lesões não é clara . 39 A World Rugby tem apostado em programas de prevenção de lesões , tendo lançado em 2019 , a nível global , o programa Activate . 40 Este é um programa de exercícios simples e dinâmicos para serem efetuados durante os treinos e antes das competições , baseado em evidência e com benefícios demonstrados na prevenção de lesões . 41 Têm como objetivo melhorar o controlo do movimento dos atletas , ativar e melhorar a sua força e potência muscular . Estão incluídos neste programa exercícios específicos para os músculos da nuca que promovem a estabilidade da coluna cervical , algo importante na dissipação de forças de impacto transmitidas ao cérebro , diminuindo o efeito de chicote que promove a concussão cerebral . 42 É imperativo que os programas de prevenção sejam individualizados , tendo em conta , não só os antecedentes de lesão de cada um , mas também a sua posição de jogo , visto que cada uma tem diferentes padrões de lesão . 28 Direcionar os Avançados para a prevenção das lesões da coluna cervical e os Três-Quartos para as lesões da coxa , seria um exemplo . Em alguns países têm sido discutidas abordagens mais radicais nos escalões jovens , por exemplo , a proibição de placagem em competições infantis devido a este ser o evento mais associado a lesões e pelo possível dano das concussões cerebrais em idades tão jovens . Estes tipos de medidas inevitavelmente alteram a natureza do desporto e , portanto , devem primeiro ser fundamentadas com fortes evidências científicas do seu benefício . Um artigo de revisão de 2016 concluiu que , além da evidência limitada , o risco de lesão até aos 15 anos é considerado reduzido e vai aumentando com a idade , de forma similar a outros desportos coletivos e com uma forte correlação com a má técnica de placagem . 43 Isto poderia significar , então , que este tipo de medidas pode inclusive originar um efeito paradoxal , com maior risco de lesões a longo prazo , visto que os atletas mais jovens , caso continuassem a praticar râguebi na idade adulta , perderiam anos de ensino regular e controlado de uma boa técnica de placagem .
Conclusão
O râguebi tem uma das mais altas incidências de lesão em desportos
22 janeiro 2022 www . revdesportiva . pt