Revista de Medicina Desportiva Janeiro 2021 | Page 4

Rev . Medicina Desportiva informa , 2021 ; 12 ( 1 ): 2 . https :// doi . org / 10.23911 / Entrevista _ 2021 _ jan

Entrevista

Dr . José Moreno Médico do Grupo Desportivo de Bragança
Há muitos , muitos anos que é o médico do Grupo Desportivo de Bragança ( GDB ). Há quantos ? Lembra-se como começou ?
Sou médico do GDB há precisamente 40 anos , feitos em novembro , e tudo começou com um pedido de quase todo plantel da época à direção do clube . Eu vim trabalhar para Bragança , era um apaixonado pelo futebol e treinava com a equipa sempre que podia , o que levou a uma integração mais fácil e rápida na cidade , criando grandes amizades que perduram até hoje , logo juntou-se o útil ao agradável .
Naquela altura trabalhava com os massagistas , voluntariosos , mas certamente nem sempre com a melhor formação para o apoio ao atleta . Foram tempos difíceis ?
Sim , foram tempos difíceis , visto que o material de recuperação para a fisioterapia era muito pouco , mas ao mesmo tempo foram tempos muito gratificantes , juntamente com a boa vontade dos enfermeiros . Tive a sorte de ser sempre acompanhado por enfermeiros na equipe médica do clube e essa sinergia entre nós foi muito importante para o crescimento como médico do clube , visto falarmos a mesma língua científica , todos ajudavam para que , com mais ou menos esforço , se conseguisse o melhor possível para os atletas .
Começou numa altura em que não havia TAC , RMN . A semiologia era fundamental , não era ?
É evidente que esse tipo de recursos veio a ser preponderante no diagnóstico de lesões , pois ao termos uma noção rápida e real da extensão da lesão leva à aplicação da recuperação mais adequada para os atletas .
A semiologia e o espírito intuitivo que tínhamos na época era muito importante e chegou para as “ encomendas ”.
Como era a alimentação antes dos jogos ? Os jogadores tomavam suplementos ?
Quanto à alimentação antes dos jogos gostava de ressalvar a minha maior referência nesses tempos sobre o tema , que foi o carismático amigo , professor e colega Dr . Domingos Gomes , à época médico do F . C . Porto , que me dizia muitas vezes que além da importância de uma boa alimentação antes dos jogos , também era muito importante ter uma alimentação cuidada durante toda a semana , pois o desgaste físico e psíquico a que o atleta é sujeito deverá ter sempre um aporte calórico que o sustente . Nesses tempos a refeição que propunha antes dos jogos era composta por uma sopa , geralmente canja de galinha , o prato principal continha hidratos de carbono que acompanhavam a carne ou o peixe grelhados , a sobremesa era sempre fruta ou um doce que poderia ser , por exemplo , pudim . Quanto aos suplementos vitamínicos que os atletas faziam durante toda a semana , era também usual tomar um reforço vitamínico maior antes dos jogos .
Conheceu muitos treinadores , viu muitos treinos . O treino do futebol mudou muito certamente ...
Conheci muitos treinadores aqui no GDB e na realidade a mudança nos métodos de trabalho até aos dias de hoje foi enorme . A grande mudança na minha opinião é que cada vez mais a ciência esta presente nesses métodos e essa evolução veio ajudar toda a estrutura dos clubes . Hoje as equipas técnicas estão muito bem preparadas e na sua grande maioria com formação qualificada nas variadas áreas , mesmo ao nível das divisões não profissionais e amadoras , o que não se verificava há 40 anos atrás . Em face a esta nova realidade , os treinos são cada vez mais individualizados , fornecendo dados importantes para que o trabalho da equipa médica seja o mais correto e assim poder ajudar os atletas a ter uma recuperação mais rápida e sustentável para aumentar a sua performance .
Lembra-se das estratégias de recuperação após os jogos que eram praticadas há 30-40 anos ?
Recordo-me que optávamos por dar um pequeno lanche após o jogo , que na maioria das vezes era composto por sandes e um sumo . Como os jogos eram maioritariamente ao domingo , segunda-feira dávamos o dia livre para descanso e regressavam terça-feira a tarde para fazer banhos e massagens , nomeadamente os banhos quentes e gelados adequados para a boa recuperação , e no final do dia de recuperação faziam então a chamada peladinha para recuperação de massa muscular .
Conte-nos histórias que tenham ocorrido enquanto médico de equipa .
Sucintamente relato dois casos que ocorreram em jogos no nosso estádio em Bragança que nunca me esquecerei pela gravidade da situação . O primeiro foi num jogo ainda na antiga segunda divisão , um atleta caiu inanimado em frente ao nosso banco , entrei de imediato em campo juntamente com o enfermeiro e verificámos quão grave era a situação , chamámos de imediato a ambulância que transportou o atleta até ao hospital de Bragança , tendo sido reencaminhado de imediato para o hospital de Santo António , no Porto , onde foi tratado no serviço de neurocirurgia . Ele abandonou posteriormente o futebol . Foi uma situação que me marcou bastante , visto que se não tivéssemos agido com a máxima celeridade o desfecho poderia ter sido bem diferente . Outro caso também marcante foi já na antiga 2 ª divisão B , em que durante uma disputa de bola dois atletas chocaram violentamente , tendo um deles sido atingido na face pelo joelho , ficou a sangrar pelo nariz e boca abundantemente , o que obstruiu as vias respiratórias . Eu e o nosso enfermeiro fomos rapidamente em seu auxílio , tivemos que efetuar em campo as manobras para desobstruir a via aérea , colocámos o tubo de Guedel e foi de imediato transportado para o hospital . Estes tipos de situações são marcantes para quem se dedica à medicina desportiva no terreno e penso que nestes dois casos teremos salvo a vida de dois jovens atletas .
2 janeiro 2021 www . revdesportiva . pt