Revista de Medicina Desportiva Informa Setembro 2019 | Page 31

É Tempo de Acordar: Monitorização do Sono em Atletas Femininas Dr. Júlio Costa Centro de Investigação, Formação, Inovação e Intervenção em Desporto, Universidade do Porto, Faculdade de Desporto. Portugal Football School, Federação Portuguesa de Futebol, Oeiras, Portugal Introdução Ao longo dos últimos anos, o futebol feminino tem ganho uma enorme popularidade. Consequentemente, o número de competições interna- cionais, de ligas desportivas profis- sionais e recreativas para atletas do sexo feminino de várias faixas etárias, tem aumentado de forma significativa. Isto proporcionou novas oportunidades para treinar e competir. Apesar da crescente popularidade e profissionalização os estudos cien- tíficos com atletas do sexo feminino é ainda limitado em comparação com atletas do sexo masculino, especialmente em áreas relaciona- das como a otimização do desempe- nho e métodos de recuperação, em diferentes cenários de competição e treino. Este assunto torna-se ainda mais relevante, dado que em alguns países as atletas (profissionais e não- -profissionais) usualmente iniciam os treinos muito tarde, perto da hora de dormir, devido aos seus compro- missos diários (ex. trabalho e/ou universidade) que têm que ser conci- liados com os horários de treino e de jogo. 1-3 Assim, é necessário investi- gar métodos que sejam sensíveis e não invasivos para monitorizar os padrões de sono em atletas, a fim de promover uma melhor higiene do sono e, consequentemente, uma melhor recuperação. 4 Sono e atletas de futebol feminino O sono é reconhecido como um componente fundamental para o bem-estar e desempenho dos atletas, particularmente durante o período competitivo (época despor- tiva). 5 No futebol feminino, as atletas estão constantemente expostas a programas de treino e jogos muito congestionados, principalmente com sessões de treino próximos da hora de deitar 2,3 , que podem reduzir o tempo total do sono 6 e prejudicar os processos de recuperação. 7 Um dos aspetos fundamentais para a recuperação do atleta é obter suficiente quantidade e qualidade de sono. 8 De facto, atletas e treinadores de várias modalidades desportivas, incluindo futebol, selecionaram o sono como a estratégia mais impor- tante de recuperação do atleta. 9 Um mínimo de 7-9 horas do tempo total de sono e eficiência do sono (ou seja, percentagem do tempo total do sono) ≥85% por noite é geralmente recomendado para promover uma melhor saúde e função cognitiva em adultos com idades ente os 18 a 60 anos. 10,11 Embora ainda não exista um consenso relativamente à quantidade do sono que um atleta deva obter para manter um ótimo desempenho 12 , os atletas que dor- mem menos de 7 horas por noite podem ter maior probabilidade obter lesão. 8,13 Estudos anteriores 2,3,14 analisaram a relação entre o exercício e o sono, sugerindo que alguns fatores podem afetar o sono e a recuperação, tais como o cronótipo (ritmo circadiano de um indivíduo) do atleta, ou a carga e/ou a hora do dia da prática do exercício físico. Em alguns dos nossos estudos 2,3 , embora as joga- doras tenham acumulado sono adequado (≥7h), foi possível observar diminuição na duração do sono após sessões de treino realizados à noite (21h00) 2,3 ou após jogos realizados à noite (19h00; resultados não publica- dos). De facto, foi observada redução consistente no tempo total de sono e atraso no tempo de latência do sono (ou seja, tempo que demorou a adormecer) após sessões de treino realizados à noite em comparação com os dias de repouso. 2,3 Estes resultados estão de acordo com outros estudos, onde se observou que os jogadores em dias de jogos concluídos antes das 18h00 apresen- taram sono adequado, 10,11 ao con- trário dos dias de jogo e sessões de treino realizados após às 18h00, em que o tempo total de sono se reduziu significativamente. 5,15 Vitale et al. (2018) observaram que a quantidade e a qualidade do sono foram menores durante a noite imediatamente após o jogo reali- zado à noite, em comparação com as noites anteriores ou posteriores, tanto em atletas do sexo feminino, como do sexo masculino. No nosso estudo com a Seleção Nacional Por- tuguesa feminina, (resultados não publicados), durante os nove dias do torneio internacional (Algarve Cup 2018), enquanto grupo, as jogadoras apresentaram valores adequados na quantidade e qualidade do sono em todos os dias de treino e jogos. No entanto, verificou-se redução signi- ficativa do tempo total do sono e da eficiência do sono após o jogo reali- zado à noite (19h00) em comparação com os restantes jogos realizados durante o dia (15h00). Desta forma, os nossos resultados sugerem que o exercício realizado perto da hora de deitar 2,3 , podem colocar dificulda- des no tempo para adormecer. Uma explicação para os resultados obser- vados poderá ser a extensão da hora de deitar provocada pelo horário/ programação das sessões de treino e/ou jogos. 16-18 Assim, é importante aplicar estratégias para promover sono e recuperação adequados, especialmente após as competições que são realizadas à noite, e educar os atletas sobre o assunto. 8 Adicionalmente, a redução do tempo total do sono após diferentes cenários de jogos (ou seja, jogos joga- dos em casa ou fora) deve ser uma preocupação, já que a recuperação após o jogo poderá ficar comprome- tida. 19 Devido ao tempo necessário para viajar, os padrões de sono após os jogos fora podem ser mais afe- tados do que os jogos realizados em casa. 20 Assim, as alterações nos contextos dos jogos, podem alterar os padrões “normal” de sono dos jogado- res (ou seja, alteração da localização, hora do início do jogo, e viajem). 5 Num estudo 2 realizado em jogado- ras da primeira divisão do campeo- nato nacional Português, as atletas Revista de Medicina Desportiva informa setembro 2019 · 29