Revista de Medicina Desportiva Informa Setembro 2019 | Page 29
Rev. Medicina Desportiva informa, 2019; 10(5):27-31. https://doi.org/10.23911/SPMD_2019_9
Sociedade Portuguesa de
Medicina Desportiva
SPMD
Fifty Men, 3510 Marathons, Cardiac
Risk Factors, and Coronary Artery
Calcium Scores 1
Prof. Doutor Ovídio Costa
Cardiologista. Direção do Curso
de pós-graduação em Medicina
Desportiva da SPMD. Porto
Resumo e comentário
Recomendo a leitura deste artigo,
vejamos qual a razão: todos nós
(médicos e população em geral)
sentimos um enorme desconforto
quando sabemos que determinado
atleta sofreu um enfarte do miocár-
dio em plena atividade desportiva,
apesar dos inúmeros exames a que
foi regularmente submetido. O que
se passou afinal?
É bem conhecido o caráter assin-
tomático da doença das artérias
coronárias - esta doença manifesta-
-se em cerca de 2/3 dos casos
por morte súbita ou enfarte do
miocárdio, isto é, sem aviso prévio.
Apenas 1/3 dos indivíduos sabem ser
portadores desta doença em conse-
quência de exames de rotina.
Então na maioria dos casos os
exames realizados não detetam
a doença? É verdade, a prova de
esforço, por exemplo, só identi-
fica doença crítica. Em 1989, o Dr.
Epstein, escrevia no conhecido
jornal médico New England Medical
Journal: “A maioria das pessoas des-
tinadas a morrer subitamente não
terá um teste de exercício positivo.
A explicação provável é que estão
presentes apenas pequenas placas
nas coronárias, sem limitação de
fluxo, até que se forma subitamente
um trombo oclusivo”.
Daí que este teste não deva ser
utilizado em rastreios, mas sim em
indivíduos com sintomas ou em
doentes cardíacos. No “mundo real”,
no entanto, este exame é frequente-
mente usado em desportistas sem
sintomas, o que reflete, como vimos,
uma prática médica inadequada
quando pretendemos estratificar
o risco cardiovascular de acidente
cardiovascular associado ao exer-
cício físico. O teste de esforço deve
usar-se, em cardiologia, para avaliar
atletas com queixas de sintomas
induzidos pelo exercício físico e para
estudo de arritmias sintomáticas
ou assintomáticas, em especial nas
situações em que existe suspeita de
cardiopatia com substrato arrítmico
subjacente. Pode também usar-se
em desportistas com doença coro-
nária conhecida para estudo de
isquemia residual ou silenciosa.
Interessa também realçar que na
maioria dos indivíduos assintomá-
ticos, com idade inferior a 35 anos,
a prevalência da doença é tão baixa
que a precisão do teste é muitíssimo
insuficiente. Isto é, um teste posi-
tivo representa provavelmente um
resultado falsamente positivo e um
resultado negativo pode, pela razões
já invocadas, não excluir a existên-
cia de doença (resultado falsamente
negativo).
Neste contexto, as modernas
técnicas de imagem (TAC coronário
com ou sem contraste) são, nestes
casos, a única forma de excluir com
rigor a presença de doença coroná-
ria. Na impossibilidade prática de
realização de angiografia coroná-
ria por tomografia computorizada
(AngioTac coronário) em todos os
adultos jovens (acima dos 30-35
anos de idade), a determinação do
score de cálcio coronário revela-
-se útil: só assim será possível o
diagnóstico da maioria das lesões,
criticas e não criticas, que poderão
vir a originar o ataque cardíaco asso-
ciado ou não à pratica de exercício
intenso e prolongado.
No presente artigo os autores estu-
daram 50 atletas do sexo masculino,
com idade média de 59±0,9 anos,
com um total de 3510 maratonas
realizadas, IMC médio de 22,44±0,4
kg.m -2 , colesterol HDL e LDL de
58±1,6 e 112± 3,7 mg/dL, respetiva-
mente, e valores de score de cálcio
coronário (CAC) entre 0 a 3153 (em
geral, considera-se o valor zero como
sinónimo de ausência de doença e de
muito bom prognóstico e os valores
superiores a 400 associados a doença
coronária significativa).
Os scores de CA na população
estudada foram de 0 em 16 atletas,
de 1-100 em 12, de 101-400 em 12
e superior a 400 em 10. Não houve
diferença estatística no número de
maratonas realizadas entre os qua-
tro grupos. Comparados com mara-
tonistas sem CAC, os maratonistas
com CAC moderado e extenso eram
mais velhos, começaram a correr em
idades mais avançadas, eram mais
idosos quando correram a primeira
maratona e tinham mais fatores de
risco para doença cardiovascular.
Os grupos com valores baixo,
moderado, e elevado de CAC mostra-
ram maior numero de placas ate-
roscleróticas na TAC coronária com
contraste do que o grupo sem CAC.
Houve apenas um maratonista (CAC
3153) com doença coronária grave,
documentada angiograficamente,
enquanto que 38 mostraram estenose
na angiografia coronária (AngioTac).
Dois maratonistas do grupo com CAC
elevado tinham estenose coronária
leve a moderada, cinco do grupo
com CAC moderado apresentavam
estenose mínima a ligeira, e quatro
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