Revista de Medicina Desportiva Informa Setembro 2019 | Page 28

Rev. Medicina Desportiva informa, 2019; 10(5):26. São mesmo necessários 10 000 passos por dia? Dr. Basil Ribeiro – V N Gaia Especialista em Medicina Desportiva É normal ouvir dizer-se que são necessários realizar 10 mil passos por dia com o objetivo de alcançar um bom estado de saúde e assim melhor e mais tempo. Mas de onde surgiu este conceito? Está validado? São mesmos neces- sários os tais 10 mil passos por dia? Se cada passo tiver entre 30 e 50cm, percebe-se que será necessário caminhar entre 3 e 5kms … e os que caminham só 3km serão menos saudáveis e morrem mais cedo? Um estudo publicado em julho vem ajudar na resposta e talvez não seja necessário caminhar tanto. Os autores do estudo enviaram acelerómetros a mulheres (72,0±5,7; 62-101 anos de idade), que pudes- sem caminhar fora de casa, com a indicação de os usarem na anca durante sete dias consecutivos, retirando-os apenas para dormir ou em atividades relacionadas com a água. Apenas as mulheres que os usaram mais de 4 h/dia ou mais de 4 d/sem foram estudadas (n= 16741) e seguidas até 31 de dezembro 2017. Preencheram questionários anuais referindo caraterísticas sócio-eco- nómicas, hábitos de saúde e história médica. Foi possível seguir a causa de morte por todas as causas em mais 99% dos casos. Os Resultados revelaram que o número médio de passos/dia foi 5499 (mediana = 5094/dia). Em termos de intensidade (cadência), o valor máximo durante 1min e durante 30 minutos foi igual, res- petivamente, a 92 e 58 passos/min. Fazer 100 passos/min corresponde caminhar à velocidade de cerca de 4 km/h. Estas mulheres em 51.4% do tempo monitorizado estavam a caminhar, em 45.5% caminharam entre 1 e 39 passos/min (passos circunstanciais) e em 3.1% já foram passos intencionais (40 passos/ min). Classificando o número médio de passos/dia por quartis, do mais baixo para o mais alto, o número foi 26 setembro 2019 www.revdesportiva.pt respetivamente igual a 2718, 4363, 5905 e 8442. No período de segui- mento de 4,3 anos morreram 504 mulheres. Depois, ajustando para a idade da mulher e o tempo de utilização deste monitor, os auto- res constataram que os HRs para os quartis de passos, do mais baixo para o mais elevado, foram iguais a 1.00 (referência), 0.51, 0.44 e 0.33. Das muitas análises que fizeram importa referir que a redução abso- luta, comparando os quartis baixo e mais elevado, foi de 9.3 mortes por mil pessoa-anos e que por cada 1000 passos/dia adicionais o HR desceu 15%. Várias análises esta- tísticas foram realizadas, algumas que incluem a intensidade, e todas apontam no mesmo sentido. Na Discussão os autores referem que o 2º quartil de distribuição do número de passos/dia (cerca de 4400) esteve associado à redução da taxa de mortalidade em 41% em relação ao quartil mais baixo (cerca de 2700 passos/dia), assim como observa- ram o declínio da mortalidade com o aumento dos passos/dia até cerca de 7500, a partir do qual não foram constatados benefícios na taxa de mortalidade. Um dado interessante discutido pelos autores: não houve marcha rápida nesta população de idosos, pois apenas em 0.2% do tempo houve número de passos equivalente a caminhar a mais de 4 km/h, o que leva estes autores a referir que mais importante que a intensidade é o volume, isto é, o número de passos por dia. Estes resultados são semelhantes aos já encontrados em outros estudos. Por exemplo, no estudo Navigator, os participantes registaram no início e após 12 meses o número de passos registados num podómetro. Verifi- cou-se que por cada 2 mil passos/ dia adicionais, o risco de desenvolver doenças cardiovasculares diminuiu 10%, diabetes 5.5%, assim como o score de risco de síndroma meta- bólico. Os estudos referenciados no texto e realizados na Austrália, Reino Unido e Japão verificaram que número elevado de passos por dia (podómetro ou acelerómetro) esteve associado com taxas de mortalidade menores em períodos de seguimento de 5 a 10 anos. Por cada aumento de 1000 passos/dia, o risco diminui 6% no estudo australiano e 14% no estudo britânico. Reportando-se às diretrizes atuais, que referem a necessidade de 150 min/sem de exercício de intensidade moderada, com a marcha acelerada, os autores calcularam e concluíram que 7 mil passos/dia poderão ser suficientes para satisfazer aquelas diretrizes, onde 4600 seriam da atividade física espontânea diária e 2300 os constatados em sessões de exercício supervisionadas. Mas será que contar passos por dia será interessante, útil e motivacional? Os autores deste estudo dizem que sim. Suportam a ideia que os passos são “intuitivamente percebidos e, por esta razão, facilmente transferidos para aconselhamento clínico, progra- mas de bem-estar e recomendações públicas”. A atual tecnologia (podó- metros, acelerómetros, smartphones) facilitam a medição. E a motivação aumenta: a revisão dos estudos veri- ficou que a monitorização do número de passos originou o aumento de cerca de 2200 passos/dia. Esta é a realidade. Basta agora caminharmos mais e divulgar esta mensagem: caminhar é barato, fácil, dá saúde e faz morrer mais tarde. I-Min Lee et al. Association of Step Volume and Intensity With All-Cause Mortality in Older Women. JAMA Intern Med. 2019;179(8):1105-1112. doi:10.1001/ jamainternmed.2019.0899.