Revista de Medicina Desportiva Informa Setembro 2017 | Page 11

• Anamnese : Dor de aparecimento súbito na face póstero-lateral da coxa esquerda durante sprint , aos 15 minutos de jogo oficial . Participou em 90 minutos desse jogo com desconforto local nas acelerações máximas e alongamento dos isquiotibiais à esquerda .
• Objetivamente ( às 48h após lesão ) com dor moderada ( EVA : 5 ) na palpação , alongamento ( EVA : 4 ) e contração resistida ( EVA : 4 ) dos isquiotibiais .
• Ecografia músculo-esquelética ( às 48h após lesão ) ( fig . 2 ): Lesão muscular miotendinosa no 1 / 3 distal da cabeça longa do bicípite femoral , com hiato de rotura de cerca de 0,4cm e edema perilesional que se estende longitudinalmente por cerca de 3cm .
Objetivamente ( ao 5 .º dia pós-lesão ) com dor ligeira na palpação e contração resistida ( EVA : 2 ). Pausa desportiva : 10 dias .
Nota : Desde a paragem desportiva sempre disponível para treino / Jogo e sem queixas álgicas musculares relevantes ( EVA : 0 ).
Discussão / Conclusão
De facto , estes dois casos clínicos revelam bem quanto o comportamento das lesões musculares é multifatorial . Se por um lado temos duas lesões no mesmo músculo , ambas no 1 / 3 distal , em coxas não dominantes , em atletas da mesma idade , com a lesão a ocorrer em contexto de jogo , com o mesmo médico e fisioterapeuta a fazerem o acompanhamento das lesões , também é verdade que o facto de os atletas terem personalidades diferentes , tipos de lesão
Figura 2 diferentes ( miotendinosa vs miofascial ) condiciona o prognóstico e a disponibilidade para o treino / jogo .
O caso clínico número 1 , pelas dimensões da lesão ( hiato com 1,5cm ), com complicação associada ( seroma ), poderia levar a maior preocupação . No entanto , sabemos que este tipo de lesão tem bom prognóstico , em função das queixas álgicas do atleta , necessitando somente de vigilância clínica e imagiológica .
Quanto ao caso clínico número 2 , apesar de ser uma lesão minor , com um hiato de 0,4cm , mas tratando-se de uma lesão miotendinosa pode , de facto , dar maior sintomatologia e ser mais incapacitante do que a lesão do caso 1 , mas também não é mentira e a nossa experiência assim o comprova que vários atletas com lesões deste tipo conseguem treinar / jogar ininterruptamente . O facto de ser uma lesão no 1 / 3 distal da cabeça longa do bicípite femoral confere um melhor prognóstico em comparação com uma lesão mais proximal . Nestes dois casos o que na realidade aconteceu ( e tal como seria de esperar ) foi a disponibilidade a curto prazo para o atleta com a lesão miofascial e o maior tempo de incapacidade para o atleta com a lesão miotendinosa , mesmo tratando-se de uma lesão muito mais pequena em termos de dimensão .
Em virtude deste comportamento várias questões se levantam :
Será que a sensibilidade à dor não afeta a disponibilidade para o treino e jogo ?
Será que o facto de os atletas terem personalidades distintas , tal não terá afetado a disponibilidade para o treino e jogo , ou seja , será que se o atleta do caso 1 tivesse a mesma lesão do caso 2 não conseguiria jogar ? E se o atleta do caso 2 tivesse a lesão do atleta do caso 1 estaria disponível para o treino ?
Será que a influência do atleta no plantel / equipa não interfere com a disponibilidade para treino ?
Será que a posição contratual do atleta não interfere com a disponibilidade para treino ?
Não haverá outros fatores para além do músculo lesionado , tipo de lesão , porção do músculo e tipo de atleta a ter em conta quando falamos em prognóstico de lesão muscular ?
Decerto haverá ainda muito a descobrir acerca de lesões musculares , mas sem dúvida que o mesmo tipo de lesão , no mesmo músculo , com o mesmo tamanho , tem comportamentos diferentes em dois atletas diferentes e no mesmo atleta consoante a altura da época , posição contratual e se o atleta é a opção inicial do treinador ou não , ou seja , a componente psicológica torna-se fundamental também aqui no manejo desta patologia . Portanto , a avaliação e as tomadas de decisão devem ter em conta o atleta como um todo , devendo ser analisado o contexto biopsicossocial , caso a caso e a decisão partilhada entre o atleta , departamento médico e departamento técnico .
Bibliografia
1 . Ekstrand J , Bengtsson H , Hallén A . UEFA Elite Club Injury Study Report 2015 / 16 . [ Disponível em http :// pt . uefa . org / protecting- -the-game / index . html ].
2 . Crema MD , Guermazia A , Tol JL , et al . Acute hamstring injury in football players : Association between anatomical location and extent of injury – A large single-center MRI report . J Sci Med Sport 2015 ; 19 ( 4 ): 317 – 322 .
3 . Hägglund M , Waldén M , Ekstrand J . Risk factors for lower extremity muscle injury in professional soccer : the UEFA Injury Study . Am J Sports Med . 2013 ; 41 ( 2 ): 327-35 .
4 . Hallén A , Ekstrand J . Return to play following muscle injuries in professional footballers . J Sports Sci . 2014 ; 32 ( 13 ): 1229-36 .
5 . Brukner P , Khan K ; Clinical Sports Medicine ; McGraw-Hill Professional ; 2012 ; 4 th Edition . Chapter 31 .
6 . Opar DA , Williams MD , Shield AJ . Hamstring strain injuries : factors that lead to injury and re-injury . Sports Med . 2012 ; 42 ( 3 ): 209-26 .
7 . Pollock N , James S , Lee J , et al . British athletics muscle injury classification : a new grading system . Br J Sports Med 2014 ; 48:1347 – 1351 .
8 . Bengtsson H , Ekstrand J , Hägglund M . Muscle injury rates in professional football increase with fixture congestion : an 11-year follow-up of the UEFA Champions League injury study . Br J Sports Med 2013 ; 47:743 – 747 .
9 . Mueller-Wohlfahrt HW , Haensel L , Mithoefer K , et al . Terminology and classification of muscle injuries in sport : the Munich consensus statement . Br J Sports Med . 2013 ; 47 ( 6 ): 342-50 .
Revista de Medicina Desportiva informa Setembro 2017 · 9