Revista de Medicina Desportiva Informa Novembro 2019 | Page 24

Rev. Medicina Desportiva informa, 2019; 10(6):22-25. https://doi.org/10.23911/Aniversario_10_2019_11 10 anos de Revista: 10 anos de missão por uma especialidade médica mui nobre Prof. Doutor Manuel Sérgio, Lisboa Reporto-me, hoje, aos finais da década de 70 e princípios da década de oitenta quando fui adjunto do Dr. Aníbal Silva e Costa, médico-cirurgião e, nesses anos idos, Diretor do Centro de Medicina Desportiva de Lisboa e Diretor-Geral do Apoio Médico. Prepa- rava literariamente (apenas literaria- mente, como é óbvio) um conjunto de publicações reunidas sob a ampla expressão de Cadernos de Medicina Desportiva. Foram mesmo inúmeros os congressos de medicina desportiva, tanto em Portugal como no estran- geiro, em que participei, quase sem- pre versando dois temas: “O racio- nalismo na medicina e na educação física” e “O nascimento da clínica em Michel Foucault”. Num congresso, em Madrid (Dr. Marcos Barroco, que está vivo, não me deixa mentir) um médico alemão manifestou pública admiração pelo meu estudo, sobre o nascimento da clínica em Michel Foucault. Trata-se de um filósofo que, se bem penso, deveria estudar-se nos cursos superiores de desporto. O doutor Gonçalo M. Tavares, um escri- tor tão grande no romance como no ensaio e que é novo em cada livro que escreve, sem sacrificar o que, numa obra literária, deve haver de perma- nente – o doutor Gonçalo M. Tavares seria o docente indicado para profes- sar um tema deste jaez. Digo e repito: onde mais aprendi sobre o itinerário histórico da Educação Física e do Des- porto foi, precisamente, na História da Filosofia. Para ser mais preciso: em Descartes, em Espinosa, em Locke, em Kant, em Comte e em Foucault. E não esqueço o médico, Claude Bernard (1813-1878), nome de luminosidade inapagável, na História da Medicina e na História da Cultura. Defendeu sempre a íntima relação Filosofia- -Ciência pois, segundo palavras suas, “a sua união eleva uma e estrutura a 22 novembro 2019 www.revdesportiva.pt outra. Se o elo se rompe, a filosofia, privada do apoio e do contrapeso da ciência, sobe até se perder de vista e desaparece nas nuvens, enquanto a ciência, ficando sem direção, não obstante os seus altos propósitos, cai, para, ou erra ao acaso” (in Fernando Namora, Deuses e Demónios da Medi- cina, II volume, p. 65). Quando o Dr. Basil Valente Ribeiro, diretor e editor da Revista de Medi- cina Desportiva informa, e um especialista em Medicina Desportiva de indiscutível saber e diligência, teve a bondade de me convidar para o meu nome figurar no corpo editorial desta magnífica revista, logo acres- centou: “Não me esqueço do seu trabalho na edição dos Cadernos de Medicina Desportiva”. Reinou ao redor destes Cadernos um clima de efervescente entusiasmo, mas eu quero salientar, agora, na modéstia das minhas palavras, os dez anos de existência da revista, única em língua portuguesa, Revista da Medicina Desportiva informa, do Dr. Basil Ribeiro. De facto, esta revista já se transformou no breviário de todos os especialistas portugueses nesta área, que nela colhem preciosos ensina- mentos e as mais candentes novi- dades. Ela representa um trabalho de documentação e informação, que enriquece a medicina, a educação, a cultura e o desporto em Portu- gal. E não só em Portugal, sempre que especialistas doutros países a folheiam, a estudam, a consultam. Convivi, no Belenenses nos anos em que lá trabalhei (1964-1992) com os médicos Drs. Silva Rocha e Camacho Vieira (este também um excecio- nal intérprete do fado de Coimbra) e relembro as queixas destes dois pioneiros da Medicina Desportiva no nosso país pela inexistência de uma revista que difundisse novas ideias e novos métodos, com séria fundamen- tação científica desta especialidade médica. Já há um bom par de anos o Conselho da Europa definiu assim a Medicina Desportiva: “aplicação da arte e da ciência médica, sob o ponto de vista preventivo e terapêutico, à prática do desporto e das atividades físicas, no desejo de utilizar as possi- bilidades que o desporto oferece, para a manutenção e melhoria da aptidão e da saúde”. Aliás, o Conselho da Europa, pelas suas resoluções 7(70) e 27(73), há muito reconhece a Medi- cina Desportiva, como especialidade médica. Mas, quem se der ao trabalho de coligir a Revista de Medicina Desportiva informa nos seus dez anos de existência terá entre mãos um verdadeiro manual de Medi- cina Desportiva, como outro não há em língua portuguesa. E sempre com entrevistas dos nossos melho- res especialistas, alguns deles no apogeu do seu prestígio, como o Dr. José Ramos, médico do Boavista, antigo diretor do Centro de Medicina Desportiva do Porto, presidente da Comissão Médica do Comité Olím- pico de Portugal, membro do Colégio da Especialidade de Medicina Des- portiva e um dos mais voluntariosos dinamizadores dos cursos de pós- -graduação em Medicina Desportiva da Faculdade de Medicina do Porto, entre outros cargos que já ocupou, com zelo impecável no âmbito da Medicina Desportiva. Com uma vida profissional coroada de êxitos, vale a pena, portanto, aprender com o indiscutível saber do Dr. José Ramos, o último médico entrevistado, por esta Revista. À pergunta: “A prática clínica num clube de futebol mudou muito?” assim iniciou a resposta: “Mudou muitíssimo. Da medicina curativa passámos para a medicina muito mais preventiva. Quando entrei para o futebol, o objetivo era a intervenção na avaliação e controlo do treino, que hoje se faz com outros profissionais para além do médico e com muitos mais meios”. De facto, qualquer ciência hermenêutico- -humana, como a Medicina, é emi- nentemente interdisciplinar e com uma postura de profundo holismo epistemológico. Não é possível deter- -me, aqui, detalhadamente, diante da história da epistemologia. Posso, no entanto, adiantar que, na epis- temologia da Medicina, o holismo e as teorias da complexidade se aplicam, com inusitada frequência e num grau de indispensabilidade. Se me permitem uma nótula de caráter pessoal: não esqueço o meu