Revista de Medicina Desportiva Informa Novembro 2019 | Page 14

Carlos Lopes e Rosa Mota aos 37 anos de idade. Há ainda a referir o António Pinto que foi três vezes vencedor da Maratona de Londres (melhor tempo – 2.06.36), para além de ter feito um segundo e três terceiros lugares nesta corrida. Venceu ainda em 1994 a Maratona de Berlim. A Aurora Cunha venceu as maratonas de Chicago em 1990 e a de Roterdão em 1992. O Domingos Castro fecha a lista de vencedores de maratonas, tendo vencido a de Roterdão no ano de 1997. Relevância clínica A história de Fidipides é heroica, comovente, mas deve ser também pedagógica. A exemplo do nosso primeiro maratonista, Lázaro, que morreu dias depois da Maratona dos JO de Estocolmo, no início do século passado, as circunstâncias clínicas da morte de Fidipides devem ser analisadas. Por que morreu? Duas causas principais neste tipo de exercício devem ser desde logo indi- cadas: hipertermia ou cardíaca. No primeiro grupo, a subida excessiva da temperatura corporal, depois da falência dos mecanismos de dissipa- ção do calor corporal, proveniente da atividade metabólica (muscular), da exposição ao calor ambiente e sob a radiação infravermelha dos raios solares, com agressão intensíssima do cérebro, deve ser considerada. A desidratação, que certamente ocorreu ao longo daquela corrida, apenas veio agravar a termorregu- lação por falência do mecanismo de sudação-evaporação. A desidratação permite a hipertermia, pois não há água (suor) para evaporar e baixar a temperatura cutânea. Neste sentido, e naquela corrida, não fará sentido pensar em hiponatremia, já que esta resulta da ingestão excessiva e ina- dequada de água. A causa cardíaca deve ser considerada com muita 12 novembro 2019 www.revdesportiva.pt atenção. É sabido que “o aumento súbito do exercício intenso resulta em pequeno e transitório aumento do risco cardiovas- cular”. Contudo, aproveita-se aqui o recado do Dr. Steven M Bradley: “A maio- ria das pessoas deve preocupar-se por se exercitarem tão pouco em vez de muito”, pois “uma montanha de evidência científica já concluiu que a atividade física e a aptidão física são importantes para a ótima saúde cardiovascular”. Mas no caso de Fidipides é o contrário que se deve considerar: o excesso. É sabido que o risco de morte súbita com o exercício físico é tanto maior quanto maior for a intensidade e menor for a experiência, a apti- dão física do sujeito. Logo, para se ter risco mínimo, a intensidade do exercício deve ser de acordo com o nível de capacidade física indivi- dual. Os estudos documentam que não existe um limite superior de aptidão a partir do qual o risco de mortalidade aumenta. No estudo de Mandsager et al, e já comentado em edição anterior, não foi verificada associação entre níveis elevados medidos de aptidão física aeróbia com a mortalidade, o mesmo cons- tatado no estudo de Feldman et al. Entretanto, embora no momento o risco seja superior, a longo prazo o exercício físico tem provado reduzir a morbilidade e da mortalidade car- diovascular. O estudo de Mandsager et al, realizado em mais de 120 mil pessoas, que realizaram prova de esforço, veio confirmar que a maior aptidão física cardiorrespiratória esteve associada a menor mortali- dade a longo prazo. Neste estudo, o risco naqueles aerobicamente mais fracos foi cinco vezes superior em relação aos sujeitos melhor prepa- rados aerobicamente. Já agora, neste estudo, o risco de mortalidade foi 41% superior nos fumadores compa- rativamente aos não fumadores. O risco pode ser francamente diminuído se forem eliminadas as causas de morte identificáveis associadas ao acidente cardiovas- cular e à morte súbita, o que pode ser conseguido apenas através do exame médico realizado por quem está preparado para o fazer. Não é uma declaração que previne e salva, mas sim o exame médico acabado de realizar. Também nesta consulta, o aconselhamento é fundamental: baixa intensidade para os que estão fisicamente mal. Com o tempo, aumenta-se a intensidade com o evoluir da melhoria da aptidão física aeróbia. Nesta consulta acalmam- -se os apressados, que rapidamente querem envolver-se em exercício moderado e intenso, mas a sua má aptidão basal torna este tipo de exercício intolerável. O utente tem de ser paciente e ser informado que mesmo níveis baixos de exer- cício físico são importantes para a prevenção de doença cardiovascular. É o que demonstrou o estudo de LaCroix et al, realizado em mais de 7000 mulheres da comunidade, com mais de 63 anos de idade: o tempo despendido com atividade física ligeira, por exemplo, marcha descon- traída, esteve de modo independente associado com menor probabilidade de eventos cardiovasculares adver- sos. Mais: cada hora adicional desta atividade esteve associada a redução do risco em 10%. A meta-análise publicada em 2011 por Sattelmair J et al diz-nos que mesmo os sujeitos que fazem exercício físico em níveis inferiores aos recomendados têm risco significativamente inferior de doença cardíaca coronária em rela- ção aos que não têm qualquer ativi- dade física de lazer. O interessante é que as conclusões dos estudos, nos quais foram estudados milhares de pessoas, de qualquer idade, con- cluem pela máxima: mova-se mais e sente-se menos. Depois, nunca é tarde para começar. A análise de 315 000 pessoas permitiu verificar que as pessoas que foram inativas na fase inicial da vida adulta, mas que aumentaram a atividade física anos mais tarde, tinham risco 35% inferior de mortalidade em compa- ração com as pessoas que permane- ceram inativas. O recado é simples: nunca é tarde para começar. Mais tarde, quando a atividade física de intensidade ligeira for bem tolerada deve-se pensar em subir o degrau para a intensidade moderada. Nesse período houve adaptações musculoesqueléticas e cardiovas- culares que permitir realizar com maior segurança exercício físico de