Revista de Medicina Desportiva Informa Novembro 2017 | Page 15
Rev. Medicina Desportiva informa, 2017, 8 (6), pp. 13–15
Miosite Ossificante Traumática
Consequência de um Retorno
Precoce à Competição?
Dra. Úrsula Martins 1,2 , Dr. João Cunha 1 , Dra. Inês Táboas 3 , Dra. Joana Gomes 4 , Dra. Catarina Branco 4,5
Interno de Formação Específica de Medicina Física e de Reabilitação (MFR); 2 Acro Clube da Maia;
3
Assistente Hospitalar de MFR; 4 Assistente Hospitalar Graduado de MFR; 5 Diretora de Serviço de Medicina
Física e de Reabilitação. Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga. Santa Maria da Feira.
1
RESUMO / ABSTRACT
A miosite ossificante (MO) define-se como uma proliferação heterotópica não neoplásica
de tecido ósseo. Em atletas, as causas mais comuns de MO são as contusões, os estira-
mentos ou as microlesões repetidas. O crescimento heterotópico de osso ocorre em 2-4
semanas após a lesão e apresenta-se como tecido ósseo maduro em 3-6 meses. Os sinto-
mas associados à MO são a dor e a diminuição da amplitude do movimento da articulação
dependente dos músculos envolvidos. Apesar dos achados mais precoces serem visuali-
zados em ecografia, habitualmente um radiograma simples (RX) confirma o diagnóstico. O
tratamento é conservador em quase todos os casos de MO, exceto naqueles em que existe
exuberante exostose óssea heterotópica junto da articulação com limitação funcional e
dor persistentes.
Myositis ossificans (MO) is a condition characterized by non-neoplastic heterotopic proli-
feration of bone in soft tissue. In athletes, the most common causes of MO are contusions,
strains or repeated micro-injuries due to overuse. The bone will usually grow 2-4 weeks
after the injury and becomes mature within 3-6 months. Symptoms of MO include muscle
pain, and a restricted range of motion (ROM), particularly if the ossification occurs near a
joint. An X-ray can confirm the diagnosis. Resolution with conservative treatment is seen
in almost all cases, despite heterotic bone exostosis. Whenever a painful mass persists or
restricted ROM with functional impairment, surgical excision can be considered.
PALAVRAS-CHAVE / KEYWORDS
Miosite ossificante, hematoma intramuscular, lesões musculares
Myositis-ossificans, intramuscular haematoma, muscles injuries
Introdução
A miosite ossificante (MO) define-se
como uma proliferação heterotó-
pica não neoplásica de tecido ósseo,
tendo uma apresentação benigna
e usualmente autolimitada. 1 O
tecido muscular é o mais frequente-
mente afetado, sendo o quadricípite
femoral e o braquial os músculos
mais frequentemente envolvidos,
podendo também ocorrer em ten-
dões, cápsulas, ligamentos e fáscias.
É mais frequente no sexo masculino
e raramente ocorre em idades infe-
riores a 10 anos. 1,2
Existem várias formas de apre-
sentação: a congénita, a idiopática
e a traumática. A forma traumática
é a mais comum, correspondendo
a 60-75% dos casos, normalmente
ocorrendo como uma complicação
de grandes hematomas (aproxima-
damente 20% dos grandes hemato-
mas progridem para miosite ossifi-
cante). 2,3 Em atletas, as causas mais
comuns de MO são as contusões,
os estiramentos ou as microlesões
repetidas por treino de repetição
(overuse). O crescimento heterotópico
de osso ocorre em duas a quatro
semanas após a lesão e apresenta-se
como tecido ósseo maduro em três
a seis meses. Os atletas de desportos
de contacto são os que mais fre-
quentemente apresentam MO. 1
Os principais sintomas associados
à MO são a dor no local da ossifi-
cação, que se intensifica durante o
exercício, e a diminuição da ampli-
tude do movimento da articulação
dependente dos músculos envol-
vidos, que pode estar associada
a marcada limitação funcional. 1,2
Apesar dos achados mais precoces
serem visualizados em ecografia,
a confirmação do diagnóstico é
realizada através de um radiograma
simples (RX), com presença de sinais
de crescimento ósseo heterotópico
(observados três a cinco semanas
após a lesão), observando-se numa
fase inicial uma lâmina radiopaca
e, posteriormente, uma massa bem
definida com aspeto de nuvem/
algodão. 1,3 Na ressonância magné-
tica nuclear (RMN) observa-se tecido
ósseo de margens bem definidas,
fazendo-se o diagnóstico diferencial
com sarcoma. 1,3
O tratamento é conservador em
quase todos os casos de MO, exceto
nos casos de exostose óssea hete-
rotópica, com grande crescimento
ósseo junto da articulação e conse-
quente importante limitação fun-
cional. 1,2,4 Caso a dor muscular ou o
tecido ósseo associado a limitação
da mobilidade persistam, a excisão
cirúrgica pode também ser consi-
derada, não estando indicada nas
lesões imaturas. 1,2,5
Caso clínico
Adolescente do género feminino,
18 anos de idade, atleta da seleção
nacional de ginástica acrobática,
treina vinte e quatro horas sema-
nais, quatro horas diárias. Sem ante-
cedentes patológicos de relevo. Duas
semanas antes do Campeonato do
Mundo, após um treino intenso,
desenvolveu edema exuberante na
região da fossa cubital e do músculo
braquial direitos, com restrição das
amplitudes articulares passivas
do cotovelo (défice dos últimos 70°
de extensão do cotovelo), assim
como na mobilização ativa deste
segmento. Não apresentava dor
em repouso, nem história de lesão
traumática major ocorrida durante o
treino.
Realizou ecografia e posterior-
mente RM, os quais demonstraram
aumento de volume do músculo
braquial, com edema intersticial e
região alongada hiperintensa, cor-
respondendo a hematoma intramus-
cular de 4cm de comprimento por
1,4cm de largura, assim como altera-
ções sugestivas de rotura intersticial
parcial. O hematoma não foi aspi-
rado, nem foi realizada terapia com
anti-inflamatórios não esteroides.
Foi iniciado de imediato repouso
articular do cotovelo durante três
dias, acompanhado de imobiliza-
ção, compressão, gelo e elevação do
membro.
Iniciou de seguida um programa
de reabilitação, incluindo terapia
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