Revista de Medicina Desportiva Informa Novembro 2013 | Page 27

Limiares aeróbio e anaeróbio
Quando se inicia um exercício físico de intensidade muito baixa e constante , a situação de “ steady-state ” observada em repouso rapidamente se altera , com um aumento das concentrações de lactato sanguíneo até aos primeiros 3-5 minutos de exercício , tendendo até a descer ligeiramente depois , mantendo-se estáveis a partir daí , ou seja , readquire-se a situação de “ steady-state ”, mas agora com valores ligeiramente superiores aos de repouso . Com a realização de exercício de intensidade ligeiramente superior e constante , as concentrações de lactato sanguíneo aumentam ainda mais do que na situação anterior até aos 3-5 minutos , tendendo a manter-se estáveis a partir dessa altura ( Figura 4A ). Ou seja , a situação de “ steady- -state ” perdida com o início do exercício é , de novo , readquirida , significando que apesar da maior taxa de produção de lactato proveniente dos músculos recrutados , a depuração sanguínea aumentou também , equilibrando a taxa de difusão de lactato para o sangue . Se o mesmo exercício for repetido com intensidades crescentes e constantes ao longo do tempo , o comportamento das concentrações de lactato sanguíneo segue um padrão semelhante , tendendo a atingir o “ steady-state ” com concentrações sanguíneas cada
Figura 4 – Comportamento da lactatemia , em função do tempo , durante exercícios de intensidade constante ( A ) e de intensidade crescente ( B ). vez maiores até que , a partir de uma determinada intensidade de exercício ( Maximal Lactate Steady State , MLSS ), mesmo mantendo a intensidade do exercício constante , as concentrações de lactato no sangue vão aumentando sempre progressivamente , indicando uma taxa de produção e difusão para o sangue proveniente dos músculos muito exacerbada , em cada instante superior à taxa de depuração . Ou seja , a partir de uma dada intensidade de esforço , perde-se a capacidade de atingir o “ steady-state ” de lactato sanguíneo , motivando concentrações crescentes deste composto com o tempo de exercício , mesmo mantendo a mesma intensidade do exercício .
No caso de exercícios com intensidade crescente ( Figura 4B ), é notório que as concentrações de lactato sanguíneo pouco ou nada se alteram relativamente aos valores de repouso enquanto a intensidade é muito baixa . Contudo , a partir de determinado momento ( limiar aeróbio ), à medida que aumenta o trabalho muscular também as concentrações sanguíneas de lactato começam a aumentar , de forma linear . A partir de determinada altura , as concentrações sanguíneas de lactato passam a aumentar , não de forma linear , como até aqui , mas agora de forma exponencial à medida que a intensidade do exercício aumenta . A intensidade do esforço correspondente a esta modificação no comportamento do lactato sanguíneo é denominado por limiar anaeróbio e acredita- -se que corresponda à intensidade de exercício a que se atinge o MLSS . O intervalo de intensidade de esforço entre a ocorrência dos limiares aeróbio e anaeróbio é vulgarmente designado por zona de transição aeróbia-anaeróbia ( Figura 4B ).
O comportamento sanguíneo de lactato , observado quer em exercícios de intensidade constante , quer em exercícios de intensidade crescente , pode ser explicado pelo padrão de recrutamento de fibras musculares , o qual se vai modificando com a exigência do exercício físico . De facto , em exercícios de baixa intensidade , são recrutadas pelos músculos solicitados muito mais fibras oxidativas do que glicolíticas , motivando pouca produção de lactato pelos músculos esqueléticos e , consequentemente , baixas concentrações sanguíneas . Para além disso , sendo um substrato energético utilizado pelas fibras lentas , quando o exercício é realizado a baixas intensidades , muito pouco do lactato produzido pelas fibras glicolíticas e libertado para o espaço intersticial , se difunde para o sangue , sendo metabolizado pelas fibras oxidativas adjacentes que estão a ser recrutadas .
À medida que a intensidade do exercício vai aumentando , também aumenta o número de fibras glicolíticas recrutadas , com crescente produção de lactato muscular e maior difusão para o sangue , originando concentrações deste metabolito progressivamente maiores . A depuração sanguínea de lactato também aumenta , à custa do fígado ( até 2 mmol / L ), do coração e de outros músculos esqueléticos ativos . Acima do limiar anaeróbio , o recurso a fibras glicolíticas passa a ser muito acentuado , situação que motiva elevações exponenciais ( e não lineares , como até aí acontecia ) de lactato no músculo e no sangue . Assim , durante o exercício físico , apesar do comportamento das concentrações sanguíneas de lactato em indivíduos saudáveis poder ser influenciado por vários factores , tais como a temperatura corporal e os níveis séricos hormonais , é essencialmente o padrão de recrutamento de unidades motoras que o explicam .
Bibliografia
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