Revista de Medicina Desportiva Informa Novembro 2013 | Page 16

dos potenciais riscos da disreflexia autonómica não controlada . Notar que a resposta tensional nos estados de “ boosting ” é significativamente elevada . 6 , 13
Bhambhani e colaboradores ( 2010 ) avaliaram através de questionários de autopreenchimento a perceção do “ boosting ” por parte dos atletas com lesão medular alta que participaram nos Jogos Paralímpicos de Verão em 2008 , em Pequim . Dos 93 participantes , 56 % estavam familiarizados com o conceito e 10 em 60 admitiram ter praticado “ boosting ” ( 9 deles durante o treino e / ou competição ). 8 Uma percentagem de 16,7 % deve preocupar todos os intervenientes na prática desportiva , bem como as entidades envolvidas no desporto adaptado . 8 Cerca de metade dos inquiridos conhecia os efeitos do “ boosting ” na performance , identificou os sintomas / sinais e potenciais complicações da disreflexia autonómica e considerou-a uma situação perigosa para a saúde . 8 Evidenciou-se um défice de informação credível para esclarecimento dos atletas , reiterando-se a importância de programas educacionais para os atletas , treinadores e profissionais da reabilitação . 8
Boosting : dopagem no desporto adaptado ?
Apesar do “ boosting ” estar associado à melhoria dos resultados desportivos , existe alguma controvérsia sobre se deve ou não ser considerado uma forma de dopagem , uma vez que não contraria a definição tradicional de dopagem : administração ou utilização de qualquer substância estranha ao organismo ou de qualquer substância fisiológica administrada em quantidades anormais ou por vias de entrada no organismo anormais com a única intensão de aumentar artificialmente a performance desportiva . 6 , 11 Além disso , a proibição do “ boosting ” exige no mínimo um método que identifique , não apenas um estado de disreflexia autonómica , mas também se esse estado foi induzido intencionalmente . 8 Ora , é difícil , senão impossível , distinguir só por si episódios voluntários vs involuntários de disreflexia autonómica em atletas com lesão medular alta . 6
O Comité Internacional Paralímpico ( Figura 3 ) classificou inicialmente ( 1994 ) o “ boosting ” como um método proibido , mas esta avaliação foi revista rotulando-o como um risco para a saúde , o que culminou na proibição dos atletas competirem num estado de disreflexia autonómica , intencional ou não . 8 Além disso , considerando os riscos e a vantagem desleal , esta prática é considerada antiética e ilegal . 10
De acordo com as diretrizes do Comité Internacional Paralímpico , atualmente não é permitido aos atletas competirem com valores de pressão arterial sistólica ≥180mmHg e qualquer tentativa de “ boosting ” implica a desqualificação e subsequente investigação para averiguar o não respeito pelos princípios legais e éticos . 14 O despiste da disreflexia autonómica é efetuado antes das competições desde os Jogos Paralímpicos de Verão de 1996 , em Atlanta , e consiste na constatação dos sinais caraterísticos desta intercorrência e medição da pressão arterial , a qual pode ser repetida após ± 10 minutos de repouso se o valor inicial for elevado . 6 , 11 , 14 A monitorização aleatória de atletas sob suspeita de “ boosting ” foi implementada nos Jogos Paralímpicos de Verão de 2000 , em Sydney . Na edição de 2008 , em Pequim , foram testados 20 atletas pouco antes da competição , mas nenhum demonstrou valores de pressão arterial compatíveis com disreflexia autonómica , mas tal facto não excluiu contudo um possível “ boosting ” durante a competição . 8
Conclusão
A prática desportiva é recomendada nos indivíduos com lesão medular , considerando os seus benefícios para a saúde física e psicológica , bem como para a qualidade de vida . Os atletas com lesão medular alta estão propensos a sofrer episódios involuntários de disreflexia autonómica , mas também têm a capacidade de os provocar deliberadamente .
Considerando os efeitos do “ boosting ” no desempenho desportivo e tendo em conta que no desporto profissional existem outros objetivos além da saúde ( p . e . financeiros , reconhecimento público ), é possível que os atletas incorram na tentação de recorrer a uma prática antiética , ilegal e perigosa .
Face à crescente participação no desporto adaptado , é necessário divulgar amplamente esta temática entre os atletas e restantes intervenientes na prática desportiva , com particular atenção nos desportos onde a incidência de “ boosting ” é previsivelmente maior ( p . e . corridas de cadeira de rodas ). Para tal , é importante criar materiais didáticos que sirvam de veículo para uma informação fundamentada e atualizada sobre os perigos da disreflexia autonómica .
Apesar dos riscos associados e da posição do Comité Internacional Paralímpico , a prática de “ boosting ” é ainda uma realidade no desporto adaptado . Assim sendo , é fundamental repetir que nenhuma medalha vale uma vida !
Bibliografia
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