Revista de Medicina Desportiva Informa Novembro 2012 | Page 32

Maratona

Correr a maratona é perigoso ?

Dr . Basil Ribeiro Medicina Desportiva – VN Gaia
Correr a maratona é certamente difícil , fisicamente extenuante e psicologicamente devastador . Mas são apenas algumas horas . O mais difícil é treinar para a maratona , que implica muitas semanas de treino sistematizado , com planos de treino diários rigorosos , nos quais se incluem um treino longo por semana que pode chegar aos 30 kms . Só a grande determinação pessoal , a companhia dos colegas e o incentivo permanente dos treinadores ( quem os tem ) permite concluir todo o processo de treino e chegar ao dia da maratona minimamente preparado .
Mas será a maratona perigosa na perspetiva do acidente cardíaco e da morte súbita durante a prática desportiva ? Dois estudos retrospetivos ajudam a responder à questão e a tranquilizar os mais receosos .
O 1 .º estudo é canadiano publicado em 2007 . Estudaram 26 maratonas que tiveram mais de 1000 finalizadores e que tinham ocorrido entre 1975 e 2004 . Os resultados revelaram que houve 3 292 268 participantes , em 750 dias diferentes , o que totalizou cerca de 14 milhões de horas de exercício físico . Nos 30 anos ocorreram 26 mortes súbitas de causa cardíaca ( MSC ). Quinze maratonas não tiveram MSC , seis tiveram uma , cinco tiveram mais de uma e a de Nova Iorque teve mais de uma na mesma edição ( 2 em 1994 ). Foi possível caraterizar o sujeito-tipo que sofreu MSC : homem ( 81 % das situações ), cerca de 41 anos de idade . Em 21 ( 80 %) dos casos a autópsia revelou a aterosclerose coronária como a causa mais frequente , valor
Maratona Olímpica de 1896
superior aos 65 – 70 % referidos noutros estudos . Outras situações que contribuíram foram as alterações dos eletrólitos ( n = 4 ), anomalias das coronárias ( n = 2 ) e choque térmico ( n = 1 ). O risco global de MSC foi igual a 0.8 por 100 mil participantes ( 95 % intervalo de confiança 0.5 a 1.1 ), equivalente a cerca de 2 mortes por cada milhão de horas de prática de exercício intenso . O risco de ter um acidente de viação num percurso de 42 kms , nos EUA , é igual a 1 para 15 000 . Muito importante , também , é a constatação que 11 das 26 MSC ( 42,3 %) ocorreram no último 1,6 km , com a meta à vista ” e depois de correr mais de 40 kms ! Em Conclusão , o risco de MSC durante a maratona é baixo , semelhante ao risco horário de base de um homem de meia- -idade morrer de MSC , e os últimos 1600 metros da corrida são de facto os mais perigosos , pelo que será aqui que deverá posicionar os meios de socorro .
O 2 .º estudo foi publicado muito recentemente , em Outubro de 2012 , e inclui as maratonas realizadas nos EUA entre 1976 e 2009 , com participantes entre 30 e 30 mil , num total de 1 710 052 corredores . Houve 30 paragens cardíacas súbitas ( PCS ), das quais resultaram dez mortos . O risco de PCS foi igual a 1 em 57 002 , enquanto o risco de MSC foi igual a 1 em 171 005 . Dos 28 corredores com PCS , 28 ( 93 %) eram homens , com média de idades igual a 49.7 anos ( amplitude : 19 a 82 anos ). Mais uma vez , a exemplo do estudo anterior , 16 ( 53.3 %) PCS ocorreram nos últimos 5 kms . Este estudo mostra que o apoio médico é fundamental para a sobrevivência das vítimas . O DAE ( desfibrilhador automático externo ) permitiu salvar 17 vítimas e apenas não foi eficaz numa ( em 2 casos desconhece-se o seu uso ). Este estudo revela que 95 % das vítimas de PCS que não tiveram intervenção médica morreram . A implementação de apoio médico imediato permitiu diminuir a mortalidade em contexto de PCS de 1 em 55 mil entre 1976- 1994 para 1 em 220 mil durante 1995-2004 em duas importantes maratonas nos EUA , que dispunham estações médicas a intervalos de 3.2 a 4.8 kms .
Correr a maratona é perigoso ? Estes dois estudos retrospetivos revelam dados tranquilizadores , que indicam risco de MSC baixo e , simultaneamente , o elevadíssimo índice de sobrevivência se na parte final do percurso da corrida existirem equipas médicas equipadas com DAE , de 3 em 3 ou de 4 em 4 kms ( prevenção secundária ). Contudo , a prevenção primária é a mais importante e pertence ao corredor que antes de se inscrever numa maratona deve realizar um exame médico , com a profundidade adequada à sua idade , à sua condição física , aos seus fatores de risco e às suas eventuais morbilidades . Não esquecer que na grande maioria dos casos de MSC a vítima não tinha queixa , não manifestou sintomas premonitórios e a MSC foi o 1 .º ( e último , vezes a mais ) sinal de doença coronária , por exemplo .
Bibliografia :
1 . Redelmeier , D . A . et al Competing risks of mortality with marathons : retrospective analysis . BMJ , 2007 ; 335 ( 7633 ): 1275-7 .
2 . Webner , D . et al . Sudden cardiac arrest and death in United States Marathons . Med Sci Sports Exerc , 2012 ; 44 ( 10 ): 1843-1845 .
30 · Novembro 2012 www . revdesportiva . pt