Revista de Medicina Desportiva Informa Novembro 2012 | Page 22

Tema 4

Rev . Medicina Desportiva informa , 2012 , 3 ( 6 ), pp . 20 – 23

O coração do atleta : resumo das caraterísticas adaptativas

Dr . Nuno Cabanelas Interno de Cardiologia do Hospital de Santarém . Mestre em Medicina Desportiva pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
RESUMO ABSTRACT
O esforço físico continuado e suficientemente intenso induz alterações morfológicas e funcionais a nível cardíaco . Dessas adaptações as mais estudadas e difundidas referem- -se ao aumento das dimensões do ventrículo esquerdo e da espessura das suas paredes . No entanto , não é apenas a esse nível que esse padrão adaptativo se manifesta . Várias são as estruturas cardíacas que sofrem modificações e que são facilmente aferidas num ecocardiograma básico . Nesta análise faz-se uma revisão das alterações descritas a nível do ventrículo esquerdo e de outras estruturas cardíacas , tentando definirem-se os limites entre a normalidade adaptativa e a patologia que têm sido propostos após análises publicadas previamente .
Intense and frequent physical activity induces morphological and functional adaptations in the heart . Among these adaptations , left ventricle dilatation and wall thickening are the most studied . However , there are several modifications in other cardiac structures , which can be easily be assessed by a simple transthoracic echocardiogram . In this review , those adaptations are described and limits between normal and pathological situations are proposed taking in account previous published studies .
PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS
Coração do atleta , hipertrofia ventricular esquerda . Athlete ’ s heart , left ventricle hypertrophy .
O coração do atleta
Durante a prática de exercício as necessidades metabólicas do tecido muscular aumentam massivamente , precisando de maior débito cardíaco para as satisfazer . Se a prática desportiva for sustentada e suficientemente intensas vão ser induzidas alterações morfológicas e eletrofisiológicas no coração do praticante 1 , conhecidas genericamente como “ coração do atleta ” e que permitem o aumento continuado do débito cardíaco durante os períodos de maior solicitação fisiológica . As adaptações morfológicas mais notórias e estudadas referem-se às do ventrículo esquerdo ( VE ), ocorrendo aumento da espessura das paredes e aumento das dimensões da cavidade com preservação das funções sistólica e diastólica 2 , 3 .
Sob o ponto de vista eletrofisiológico , ocorre exacerbação do tónus vagal comparativamente à atividade simpática , o que resulta no aparecimento do padrão de repolarização precoce , bradicardia sinusal e diminuição da condutibilidade através do nódulo auriculoventricular , com ocorrência de bloqueio auriculoventricular de baixo grau 4 .
Vários estudos têm demonstrado diferentes padrões ventriculares em função do tipo de modalidade desportiva praticada 5 . Em atividades nas quais predominam os exercícios dinâmicos ou isotónicos , chamadas modalidades aeróbias , cujos exemplos clássicos são o ciclismo , a canoagem e as corridas a pé de fundo , o padrão de adaptação ventricular consiste no alargamento da cavidade com hipertrofia parietal excêntrica e surge em resposta ao enorme aumento do volume circulante . Por outro lado , em atividades nas quais predomina o componente estático ou isométrico ( exercício de força ), sendo exemplo típico o halterofilismo , o padrão consiste na hipertrofia parietal desproporcional ao aumento das dimensões da cavidade , produzindo hipertrofia concêntrica como resposta ao aumento mais significativo da pressão arterial sistémica relativamente ao volume circulante durante essa prática . O futebol é uma modalidade considerada como tendo um componente dinâmico alto e componente estático moderado 6 .
Apesar de as alterações no ventrículo esquerdo serem aquelas que melhor caraterizam o “ coração do atleta ”, várias outras modificações morfo-funcionais a nível cardíaco e vascular são descritas em estudos com cada vez mais elevado número de atletas .
No coração do atleta , apesar de ocorrer espessamento parietal , não existe disfunção diastólica . Os parâmetros ecocardiográficos clássicos para a avaliação da função diastólica são a relação E / A ( relação entre a velocidade máxima do fluxo de enchimento passivo do VE em protodiástole e a velocidade máxima do fluxo de enchimento do VE provocada pela contração auricular em telediástole , ambas medidas com pulsado na câmara de entrada do VE , na projeção apical 4C ) e o gradiente E / E ’ ( relação entre a velocidade máxima do fluxo de enchimento ventricular passivo , em protodiástole , obtido por Doppler pulsado , e a velocidade tecidular máxima do anel mitral na mesma fase de enchimento , obtido por Doppler tecidular ) como indicador das pressões de enchimento do ventrículo esquerdo . A relação E / A , principalmente em atletas de endurance , apresenta valores ligeiramente superiores 7 , 8 . Valores superiores a 2 são habitualmente encontrados em atletas treinados , principalmente em corredores de fundo , ciclistas e nadadores 9 , embora também o sejam em jogadores de futebol 10 . A diminuição da velocidade-pico da onda A é uma das causas apontadas para esse aumento . Isso é atribuído ao facto de a frequência cardíaca ser menor , com consequentemente maior duração da diástole e maior tempo de enchimento do ventrículo esquerdo , diminuindo a necessidade de uma contração auricular vigorosa 11 . O aumento da relação E / A em atletas surge assim como uma variante do normal , motivada pelas adaptações fisiológicas ao esforço e ocorre no contexto de normalidade da função diastólica ou , inclusivamente , da sua melhoria .
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