Revista de Medicina Desportiva Informa Março 2020 | Page 7

AF regular e a diminuição do risco de morte por todas as causas e do desenvolvimento de doenças crónicas, existindo também uma relação dose-resposta entre o nível de atividade física e o estado de saúde. 3 Embora as vantagens sejam indiscutíveis, é ainda escassa a informação que relaciona a AF e a função renal. Magnitude do problema Estima-se que mundialmente a doença renal crónica (DRC) tenha uma prevalência de 13,4% 1 , estando o seu desenvolvimento associado a estilos de vida nefastos, fatores ambientais e doença cardiovascular estabelecida. Porém, a AF poderá ter um papel benéfico ao atrasar o aparecimento e a progressão desta patologia, com alguns estudos evidenciando que a AF regular se associa a melhor função renal e a menor prevalência de doença renal na população. Metodologia e resultados do estudo Guo C, Tam T, Bo Y, et al realizaram um estudo longitudinal para compreender a associação entre a atividade física e a função renal, numa população de Taiwan. 1 Foram envolvidos 190.074 participantes com a idade média de 38,5 anos, 51,6% dos quais do sexo masculino. Os padrões de AF foram determinados através de um questionário sobre hábitos semanais durante o mês que antecedeu a avaliação médica – número de horas e classificação da intensidade da atividade em ligeira (caminhar), moderada (caminhada rápida), média (jogging) ou vigorosa (corrida). Os outcomes do estudo foram a alteração anual da taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) e a incidência de DRC, tendo-se ajustado os resultados para diferentes co-variáveis (incluindo dados demográficos, estilos de vida e patologias concomitantes). Embora apresente algumas limitações – a metodologia usada para avaliação dos hábitos de AF, o diagnóstico de DRC baseado numa medição isolada de TFGe inferior a 60 mL/min/1.73 m 2 e uma taxa de seguimento de apenas 42,6% – o estudo envolveu uma amostra de grandes dimensões, foram considerados os potenciais efeitos de um largo espectro de variáveis e o programa de rastreio médico aplicado foi devidamente estandardizado. E o que descobrimos? A análise estatística dos dados revelou que a incidência de DRC diminuiu com o aumento do nível de AF, verificando-se maior benefício nos participantes com elevada literacia e emprego sedentário. Verificou-se ainda que maiores níveis de AF se associaram a menor decréscimo na TFGe relacionada com a idade. AF e função renal – como se relacionam? A AF melhora a função endotelial cardiovascular e a sensibilidade à insulina, atingindo de igual modo os vasos renais. Baixos níveis de AF contribuem para a insulinorresistência, com subsequente lesão direta da vasculatura renal e efeito negativo da sinalização relacionada com hiperinsulinémia. A redução da adiposidade é benéfica, uma vez que os adipócitos viscerais podem aumentar a angiogénese e lesar o endotélio renal. Impacto do estudo Este estudo concluiu que a prática regular de atividade física se associou a decréscimo mais atenuado na TFGe e a diminuição do desenvolvimento de DRC na população estudada. Assim, reforçou os benefícios da AF, já previamente estabelecidos por outros estudos, estendendo-os à saúde renal, com a AF a ter um impacto positivo na diminuição da deterioração da função renal associada à idade. Uma vez que a atividade física é um comportamento passível de modificação, e face ao crescimento mundial da doença renal, este estudo poderá ter impacto na prática clínica e no aconselhamento dos doentes, oferecendo ao médico mais uma evidência do efeito benéfico da AF. Comentário final Este estudo corrobora resultados de estudos anteriores, recolhendo dados de uma amostra de maiores dimensões, tornando-se assim em mais uma evidência que suporta o incentivo à prática de AF enquanto agente no combate à prevenção de diferentes patologias, particularmente na insuficiência renal. A crescente evidência dos benefícios da atividade física deverá levar os clínicos a integrarem o aconselhamento e a eventual prescrição da mesma na prática quotidiana, estendendo os seus benefícios a um maior número de cidadãos. No estudo apresentado, a melhoria dos outcomes renais com a AF foi mais acentuada no grupo com meio laboral sedentário, tornando-se assim mais evidente a importância da atuação para modificação de comportamentos. São desejáveis mais estudos que corroborem os benefícios da AF na função renal em outras populações. Será também importante determinar a eventual existência de um limiar para o qual a AF deixe de ser benéfica e possa tornar-se prejudicial à saúde renal. Em nota final, apelo à importância dos profissionais de saúde acompanharem a evolução da ciência, procurando integrar a AF como importante ferramenta terapêutica na sua prática clinica. Uma vez que a actividade física é um comportamento passível de modificação, e face ao crescimento mundial da doença renal, este estudo poderá ter impacto na prática clinica e no aconselhamento dos doentes, oferecendo ao médico mais uma evidência do efeito benéfico da AF. Bibliografia 1. Guo C, Tam T, Bo Y, et al. Habitual physical activity, renal function and chronic kidney disease: a cohort study of nearly 200 000 adults . Br J Sports Med. 2020; 0:1-7. doi:10.1136/bjsports-2019-100989. [Epub ahead of print] 2. T. J. Wilkinson, N. F. Shur, A. C. Smith. Exercise as medicine” in chronic kidney disease. Scand J Med Sci Sports. 2016; 26(8(:985-8. 3. Warburton, Darren E.R.; Bredin, Shannon S.D. Current Opinion in Cardiology: September 2017; 32(5):541-556. Revista de Medicina Desportiva informa março 2020· 5