Revista de Medicina Desportiva Informa Março 2020 | Page 4

Entrevista Rev. Medicina Desportiva informa, 2020; 11(2):2. https://doi.org/10.23911/Entrevista_2020_3 O Professor é médico, é gestor, é professor, é investigador, é representante do Serviço no e fora do país, é consultor, é amigo e tem 150 pessoas no seu Serviço. Como consegue tempo e capacidade para tudo isto? Gosto muito do que faço, adoro ser médico. O Médico tem um capital Humano e uma capacidade única de chegar dentro de qualquer pessoa. Não há igual. Tem ainda um poder mágico, apesar da relação médico- -doente já não ser igual ao que era há anos. Para o bom e para o mau, como se costuma dizer. Desligo por completo da parte negativa da profissão quando chego a casa. Procuro o lado positivo da vida, leio muito sobre gestão, os grandes clássicos da filosofia, os estoicos. A gestão ensina-nos a lidar com a Vida de modo mais eficaz e a controlar os sentimentos, o stress, as emoções, a gerir de modo mais eficaz o tempo, o trabalho em equipa, etc. Ser médico significa ajudar em momentos difíceis alguém que confia em nós. É uma profissão milenar… é uma honra ser discípulo de Hipócrates e proporcionar momentos felizes a outros Seres Humanos. O Desporto também me ensinou muito. Fiz atletismo federado no Benfica. Ainda guardo algumas medalhas. Acho que se corresse com o Usain Bolt apanhava 25 metros de avanço, isto com 14-15 anos. Fui treinado pelo Tomás Paquete, que recordo com muita saudade. Viria a encontrá-lo quatro décadas mais tarde, dois dias antes de morrer. Coincidências da vida. Descobri há pouco que eu até estava incluído no rol dos “antigos atletas do Benfica”, no atletismo. Que honra!! O Desporto pode ser uma Escola da Vida, em todos os sentidos. Aprendi a sofrer em silêncio, ser resiliente, ser ©Mike Sargeant Prof. Doutor Rui Tato Marinho Diretor do Serviço de Gastroenterologia e Hepatologia do Hospital de Santa Maria. Lisboa humilde (há sempre alguém melhor do que nós), competir contra nós próprios. E também porque somos todos iguais, numa pista de atletismo são as pernas, a mente, a capacidade física que manda. Há agora desafios muito grandes, como seja a violência no Desporto, o que é um espelho de alguma violência que impera hoje na sociedade. Através da Medicina tenho tido alguns contactos com grandes figuras do Desporto, designadamente o Eusébio, o Carlos Lopes, o guarda-redes Costa Pereira, o defesa Artur Correia, entre outros. O Desporto é cor, é movimento, é o trabalho em equipa, é dar felicidade às pessoas (quando se ganha), é aprender a perder. O atleta, também e certamente, sofre de doenças da sua especialidade. Quais as mais frequentes? Um desportista tem muitas das doenças que as pessoas da sua idade também têm. Haverá alguns com hepatite B e C, consumo de álcool, intestino irritável, doença de refluxo, etc. Por exemplo, as hepatites não impedem a prática desportiva, mesmo a de alta competição. Chamo a atenção para a questão da dopagem de forma mais lata, com os riscos inerentes. Temos observado alguns casos de hepatites tóxicas graves no decurso de toma de anabolizantes. Recomendo, também, alguma precaução no uso de anti-inflamatórios não esteroides. No desporto de alta competição, chamo a atenção para o risco de obesidade depois do abandono da mesma. ... mas nem todas são compatíveis com a alta competição ... Já vi jogadores de alta competição com cirrose hepática e tumores do fígado. Penso que em zonas de elevada endemicidade para a hepatite B existirão desportistas que têm infeções crónicas (portadores). Desde que não tenham astenia, fadiga podem competir. A hepatite C existe nos atletas. Permite que o jogador treine e compita intensamente? Sim, permito. O risco de transmissão após picada é inferior a 2%. Ainda por cima, o vírus elimina-se em 97% dos casos após o primeiro tratamento. A eficácia da resposta no segundo tratamento é também de 97%. Ou seja, em 1000 doentes tratados apenas 1 a 2 não curam. E o transplante fígado e prática de exercício físico (EF)? Após o transplante o EF é benéfico, desde que não seja exagerado. A obesidade é muito frequente no transplantado hepático, com os riscos cardiovasculares inerentes. O excesso de peso encurta a vida. É habitual fazer estudo analítico de rotina aos atletas, aos jogadores de futebol. Quais são as análises que devem ser solicitadas? Da minha especialidade solicito as provas hepáticas (ALT, fosfatase alcalina, os marcadores da hepatite C (anti-VHC), hepatite A (anti-VHA total) e hepatite B (AgHBs, anti-HBc, anti-HBs). Os treinos muito intensos podem elevar as aminotrasnferases e podem simular a hepatite aguda. A rabdomiólise provoca alteração da AST e da ALT. No meu entender, todos os atletas profissionais deveriam ser vacinados contra a hepatite B e tendencialmente para a hepatite A. Um desportista profissional e internacional não deve estar sujeito a ter hepatite A ou hepatite B. Considera que o consumo de álcool é um problema no desporto? O que é beber moderadamente? A ingestão de bebidas alcoólicas, em alta competição, deve ser a exceção. A partir de uma a duas bebidas começa a ser excessivo. E não se deve beber todos os dias. Desaconselho vivamente as bebedeiras ou o binge drinking. Além do risco de acidentes, de sexo não desejado, existe um risco real de morte súbita. “Graças a Deus calhou-me o Professor Rui Marinho”, “tenho de agradecer ao Professor ... talvez a minha vida ... a minha longevidade”. São relatos de doentes no filme, cujo link se indica. Tem tido uma vida cheia e gratificante... Sim, tenho conhecido e lidado de um modo muito simpático, direto e humano, com todas as vertentes da vida, desde o sem-abrigo, crime e até ao estrelato, passando pelo poder político. Finalmente, como médico, quero estar sempre disponível na luta contra as agressões ao pessoal da saúde, de modo mais particular contra os médicos. Os profissionais de saúde são um recurso demasiado precioso. https://saudemais.tv/video/141315-atendimento-permanente-t04-e007 2 março 2020 www.revdesportiva.pt