Revista de Medicina Desportiva Informa Março 2020 | Page 26
Rev. Medicina Desportiva informa, 2020; 11(2):24-25. https://doi.org/10.23911/barra_tarsica
Responde quem sabe
O que é a barra társica?
Dra. Inês Casais 1 ,
Dr. Raul Cerqueira 2
1
Interna de
formação específica;
2
Assistente
hospitalar. Serviço
de Ortopedia do
Centro Hospitalar de
Vila Nova de Gaia-
Espinho, EPE.
A barra társica consiste numa
anomalia estrutural do pé
causada pela fusão indevida
de dois ou mais ossos do tarso,
causando frequentemente um
pé plano rígido. É uma condição
prevalente (até 13% em alguns
estudos 1,2 ), bilateral em mais de
metade dos casos e subdiagnosticada.
3 Envolve mais frequentemente
os ossos calcâneo e
navicular, apresentando-se
entre os 9 e 12 anos, ou astrágalo
e calcâneo, com idade de
início entre os 12 e 14 anos. 4 Em
casos raros pode ocorrer entre
o astrágalo e navicular, calcâneo e
cuboide ou até todo o tarso. 5
Qual é a sua causa?
A barra társica é na grande maioria
dos casos congénita, assumindo-se
um padrão de transmissão autossómico
dominante. Deve-se a falha
na segmentação mesenquimal,
formando-se uma ponte entre os
ossos do tarso que passa pelas fases
fibrosa – sindesmose; cartilagínea
– sincondrose e óssea – sinostose.
Associa-se por vezes a outras alterações,
como hemimelia peronial,
síndrome das sinostoses múltiplas,
deficiência femoral focal proximal
e várias síndromes polimalformativas.
6 Podem encontrar-se lesões
secundárias adquiridas (devido a
traumatismo, alterações degenerativas
ou infeção) semelhantes.
Quais as consequências na
biomecânica do pé?
A barra társica afeta o ciclo da
marcha ao limitar principalmente
a mobilidade da articulação
subastragalina. Obriga a compensação
pela articulação medio-társica,
que é sujeita assim a maior stress
e degeneração. A deformidade em
valgo do retropé associa-se a encurtamento
e contratura dos tendões
peroniais, originando historicamente
a designação de pé plano espástico
peronial. 3
Quais as manifestações clínicas?
A maioria dos casos são assintomáticos
e diagnosticados acidentalmente
após traumatismos minor.
Contudo, para além da deformidade
visível de pé plano, a barra társica
pode ser causa de dor no pé, por
vezes com irradiação para a perna. 4
O início relaciona-se temporalmente
com a ossificação da barra:
as pontes fibrocartilagíneas não são
inervadas e pensa-se que após a
ossificação ocorrem microfraturas,
as quais ativam as fibras nervosas
periosteais. 7 Os doentes queixam-
-se de dificuldade na marcha em
terreno acidentado e de entorses
de repetição. A dor é exacerbada
pelo exercício e há tendência para
modificação e restrição da atividade
como mecanismo protetor.
As alterações articulares degenerativas
secundárias à modificação
da cinemática da marcha e aos
traumatismos repetidos explicam
a sintomatologia progressiva numa
fase mais avançada. 3 Em casos raros,
na presença de uma barra talocalcaneana
pode ocorrer compressão do
nervo tibial, resultando na síndrome
do túnel társico. 9
Como se diagnostica?
A identificação da anomalia requer
primeiramente suspeita clínica:
perante um pé plano rígido, com
contratura dos peroniais, este é o
diagnóstico mais comum. 4 O retropé
apresenta-se em valgo e o antepé
em abdução. O arco medial longitudinal
do pé não corrige com a
marcha em pontas. A localização
da dor pode apontar para o tipo
de barra: dor no seio do tarso e
perimaleolar externa sugere barra
calcaneonavicular e dor medial
sugere barra talocalcaneana. 8
Há diminuição da dorsiflexão e
aumento da tensão da fáscia plantar
e do tendão de Aquiles. 3
A ressonância magnética constitui
atualmente o exame de
eleição para diagnóstico imagiológico.
Permite identificar não só as
sinostoses, como também as pontes
fibrocartilagíneas não visíveis na
radiografia simples ou na tomografia
computorizada. 6 Ainda assim
recomenda-se iniciar o estudo pela
radiografia em carga de ambos os
pés. Existem alguns sinais característicos
e facilmente identificáveis:
anteater nose sign – alongamento da
apófise anterior do calcâneo em
direção ao navicular no RX de perfil
ou oblíquo nas barras calcaneonaviculares;
talar beak – osteófito
dorsal do colo do astrágalo devido
à tração originada na cápsula pelo
movimento excessivo compensatório
da articulação talonavicular
nas barras talocalcaneanas; drunken
waiter sign – dismorfia do sustentaculum
talus com inclinação e
convexidade anormal da interlinha,
entre outros. 3
Qual é o prognóstico e evolução
natural da doença?
A maioria dos casos irá manter-se
assintomático e sem requerer qualquer
tipo de tratamento ao longo
da vida. A barra talocalcaneana
tem maior risco de progressão e
alterações articulares secundárias,
uma vez que limita em maior grau
a mobilidade subastragalina. 2 Nos
casos sintomáticos, o tratamento
precoce tem melhores resultados
por evitar a degeneração contínua
das articulações.
Perante a doença sintomática, o
tratamento cirúrgico é a única
hipótese?
Não. De facto, a primeira linha de
tratamento são as medidas conservadoras.
4 Deve ser tentado o uso de
ortótese funcionais, a fisioterapia
dirigida às contraturas musculares
24 março 2020 www.revdesportiva.pt