Revista de Medicina Desportiva Informa Março 2020 | Page 17

dinâmica e resistência ligamentar estática. 4,5 Em movimentos em valgo da articulação do cotovelo, os principais estabilizadores estáticos são o LCU e a porção medial da cápsula articular. 4,5 O LCU é composto por três diferentes feixes: o anterior, o posterior e o transverso. O feixe anterior representa a resistência primária ao movimento em valgo e é o mais frequentemente lesado. 6,7 Durante o lançamento, na fase tardia do armar do lançamento e na fase precoce de aceleração, o cotovelo apresenta torque (N . m) em valgo significativo, de aproximadamente 64N . m, e o LCU fica mais suscetível a rotura. 8 Apesar da contribuição da contração excêntrica da musculatura flexora/ pronadora do antebraço na resistência ao movimento em valgo, cerca de 50% do torque é transmitido ao LCU isoladamente, caracterizando valores de 32N . m sobre este ligamento. 9 Um vez que, em média, a tolerância máxima do LCU é de 34,29N . m para o ligamento original e de 30,55N . m após cirurgia de reconstrução, o torque em valgo gerado em cada lançamento é praticamente suficiente para provocar rotura desta estrutura. 9 Lesões do LCU do cotovelo no beisebol – o mediático caso de Tommy John As roturas do LCU são relativamente comuns em atletas que realizam lançamentos acima do nível da cabeça, em particular no beisebol, tendo esta lesão sido descrita pela primeira vez em 1946. 10,11 No ano de 1974, o cirurgião ortopédico Frank Jobe realizou com sucesso a primeira cirurgia de reconstrução do LCU num jogador profissional de beisebol, Tommy John (Figura 2), que tinha sofrido rotura deste ligamento e desenvolvido incapacidade de fazer lançamentos. 12,13 Perante uma lesão que à data determinava habitualmente o fim da carreira dos jogadores, o caso tornou-se mediático pelo sucesso desportivo do atleta depois daquela inovadora cirurgia ortopédica. Desde então, a cirurgia de reconstrução do LCU tornou-se o tratamento preferencial adotado perante roturas do LCU em lançadores que pretendem retomar a prática desportiva de alta competição ou cujo tratamento conservador foi ineficaz. 14 Atualmente, cerca de 10% dos lançadores profissionais a atuar na Major League Baseball (MLB), nos Estados Unidos da América (EUA), já foram submetidos a esta intervenção cirúrgica. 15-17 O sucesso da cirurgia, definido pela capacidade do atleta em retomar o nível competitivo prévio, varia entre 80 a 90%. 15 Após o caso de Tommy John, diversos lançadores famosos da MLB foram submetidos à cirurgia de reconstrução do LCU após rotura deste ligamento, tendo a maioria retomado a prática de competição com desempenhos de elevado sucesso e contribuindo amplamente para a popularidade desta intervenção entre jogadores, treinadores, pais dos atletas e os media. 18-24 Na sequência das declarações de lançadores profissionais que afirmaram percecionar subjetivamente serem capazes de realizar lançamentos com mais força após dois anos de pós-operatório, tem vindo a questionar-se o seu potencial para melhorar a capacidade de lançamento em comparação com os parâmetros de performance prévios à cirurgia com o ligamento nativo original íntegro. 3 Reconstrução do ligamento colateral ulnar e seus resultados A cirurgia de reconstrução do LCU está indicada na rotura total deste ligamento, na rotura aguda ou na rotura crónica após insucesso de tratamento conservador. Esta lesão está habitualmente associada a sinais clínicos de instabilidade em valgo, nomeadamente dor mecânica na face medial do cotovelo e limitação funcional associada a dor e sensação de instabilidade nos movimentos em valgo do cotovelo, em particular no movimento de lançar no beisebol. 14 A comunidade médica associada ao beisebol defende naturalmente que esta cirurgia nunca deve ser feita tendo em vista potenciar o desempenho desportivo, mais especificamente aumentar a força e velocidade do lançamento. 14 O procedimento cirúrgico implica riscos e não existem fatores preditivos ou estudos suficientes que determinem a melhoria específica destes parâmetros após a ligamentoplastia do LCU. 14 A popularidade da cirurgia original de reconstrução do LCU desenvolvida por Jobe (Figura 3) conduziu a que diversas variantes técnicas em termos de enxertos e de métodos da sua fixação na ulna e no úmero tenham sido propostas desde então. Apesar disso, não existem atualmente estudos que demonstrem benefícios de uma técnica em detrimento de outra. 18,24–30 Apesar da ideia rapidamente generalizada pelos media de que os lançadores submetidos a cirurgia de reconstrução do LCU são capazes de lançar com mais força, velocidade e precisão, a evidência científica tem revelado na sua esmagadora maioria que estes lançadores mantêm ou reduzem os niveis de desempenho prévios à lesão do Figura 2 – Tommy John durante um lançamento (notar o valgo do cotovelo) Figura 3 – Cirurgia original de reconstrução do LCU desenvolvida por Jobe. Notar ligamentoplastia com autoenxerto tendinoso numa figura de 8 através de túneis ósseos efetuados no úmero e no cúbito, bem como a transposição anterior do nervo ulnar. Vista medial e vista anterior da ligamentoplastia 12 Revista de Medicina Desportiva informa março 2020· 15